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sexta-feira, 27 de setembro de 2013

O filho de mil homens


SPOILER FREE

Nada como ter outros participantes do Desafio Literário na família para ganhar um livro com o tema de Setembro no meu aniversário! E o livro chegou bem a tempo de me "salvar" de ler novamente Saramago para o tema de escritores portugueses contemporâneos (eu amo Saramago, mas realmente queria experimentar autores desconhecidos, apesar da má experiência com José Luís Peixoto). E que presentão!

"O filho de mil homens" é simplesmente um dos livros mais bonitos que já li em toda a minha vida. Não há num uma frase sem sentido na obra, nada ali fica sobrando, todas as palavras contribuem para a sua beleza e poesia. Fiquei muito triste em diversos momentos por não ter um lápis à mão (eu costumo ler no metrô) para rabiscar o livro e fazer marcações, em outros momentos essa vontade simplesmente se desfazia quando eu percebia que iria marcar páginas inteiras. É um livro tão lindo que dá vontade de ler em voz alta (lembrei disso aqui) só para enternecer o coração de quem estiver em volta. É tão bonito que parece que foi feito para repartir com os outros, mas ao mesmo tempo dá vontade de guardar só para você debaixo do travesseiro.

A história começa com um homem de quarenta anos que gostaria de ter um filho, e a partir dessa premissa outros personagens vão surgindo, cada um com um pedaço a menos no coração. Assim, com um tom de fábula que flerta com o fantástico, o autor tece uma delicada colcha de retalhos com tudo o de mais bonito e de mais feio no ser humano, e mostra como o mais bonito, se for bem cuidado, transmuta o mais feio, transformando a vida de todos e por consequência o mundo. É uma história sobre amor, solidão, medo, preconceito e compaixão. Precisa dizer mais alguma coisa?

Precisa. É um desses livros que alimentam a alma. Imperdível e imprescindível.

Nota 10.


segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Unveiling - the inner journey


SPOILER FREE

Enquanto esperava chegar outros livros de autores portugueses contemporâneos resolvi retomar essa leitura específica para bailarinas de dança do ventre e para mulheres interessadas em um caminho espiritual específico para mulheres.

Esse é um tema que hoje em dia me divide internamente, pois ao mesmo tempo em que vejo a necessidade específica para mulheres desse tipo de trabalho, atualmente tenho uma visão mais aberta do que seria feminino/masculino e do que isso significa para homens e mulheres, e essa forma mais abrangente de ver o problema me deixa desconfortável com algo feito exclusivamente para um sexo, ainda mais quando se trata apenas do sexo com o qual a pessoa nasce (isso quando ela nasce com um sexo bem definido, mas enfim).

O que hoje em dia eu acho que falta não é nem mais algo específico para mulheres, o que eu acho que falta é valorizar tudo o que é feminino, estando presente em quem quer ou o que quer que seja. Claro que esse processo pode e deve incluir algo voltado especificamente para o público feminino, mas voltado especificamente não significa, no meu ponto de vista, excludente ao público masculino. Até porque não são só as mulheres que precisam voltar a valorizar o que há de feminino nelas, os homens também precisam voltar a enxergar que eles também possuem traços femininos em si e voltar a ver isso com bons olhos, e não como falhas de caráter.

Feita essa introdução sobre o meu ponto de vista, vamos ao livro! A autora Alay'nya é uma bailarina de dança do ventre e cientista e PHD (no início do livro ela menciona o seu caminho acadêmico nesse sentido mas eu sinceramente não lembro mais dos detalhes), que durante anos praticou artes marciais antes de entrar em contato com a dança. A sua ideia com o livro é mostrar como a dança do ventre pode ser utilizado como um caminho espiritual para mulheres numa comparação quase que direta com outras formas mais conhecidas (e consideradas masculinas) como as artes marciais e a yôga.

Nesse quesito, de mostrar como a dança do ventre pode ser usada energeticamente, como ela trabalha o corpo físico e como isso pode ser transposto para o campo energético, além de como ela pode ser usada para o auto-conhecimento, a autora acertou lindamente. As passagens sobre os exercícios que a dança pode propor, tanto físicos quanto emocionais e espirituais são ótimas. A comparação que a autora faz dos caminhos que a dança pode proporcionar para trabalhar a jornada arquetípica contida nos arcanos maiores do tarô chegou a me deixar emocionada (e com vontade de estudar mais o assunto).

Porém, nos momentos em que a autora se propõe a falar sobre a psique feminina versus a psique masculina... achei um osso duro de roer. Não que fosse muito complexo, pelo contrário, nunca vi tantos clichês em toda a minha vida. Acho que ela colecionou todos os clichês de filmes estilo comédia romântica possíveis e resolveu colocar no livro como verdade universal amparado por pesquisas pseudo-científicas. Tem momentos que realmente dói ler as bobagens da autora.

O pior, na minha opinião, é que são os clichês mais machistas possíveis, daqueles que reduzem o homem a um ser simples que só quer saber de sexo, dinheiro e poder, e a mulher num ser "complexo" que ninguém entende porque ela quer ser dona de si mesma (afinal já passamos pela primeira revolução feminista, senão certamente esse pedaço não estaria no livro), dominar os homens, ser mãe e manter uma espécie de juventude eterna. A típica visão machista do mundo. Isso vindo de uma mulher que se acha feminista em alguns momentos e acha que "superou" o feminismo em outros. Enfim, a autora é uma mulher confusa, que, por consequência, acha que todas as mulheres são confusas.

Um dos problemas da visão apresentada pela autora, é que ela se baseia nos arquétipos da forma como são usados pela psicologia junguiana, e que ela infelizmente não entendeu bem. Veja só, só porque existem arquétipos femininos e masculinos isso não significa que homens só possuam arquétipos masculinos e mulheres só possuam arquétipos femininos. O que acontece é que na nossa sociedade nós ensinamos aos homens desde que eles nascem a reprimir os seus arquétipos femininos (aquela história de sempre: homem não chora, não brinca de casinha nem pode demonstrar sentimentos, né?) e enquanto isso ensinamos às mulheres que elas só podem demonstrar alguns arquétipos femininos (afinal, nem todo arquétipo feminino é considerado bom, ainda mais se for sobre liberdade sexual), a mulher ainda pode demonstrar alguns traços masculinos (claro, senão ela não sobrevive no mercado de trabalho masculinizado, né?) mas ai dela se se tornar masculina demais nesse processo. Em outras palavras, vivemos em uma sociedade em que tanto homens quanto mulheres se sentem incompletos e tolhidos de alguma forma (apesar deles demonstrarem isso de formas diferentes e, claro, as mulheres sofrerem mais por serem consideradas sempre inferiores).

E aí a autora perdeu uma oportunidade de ouro. Ao invés de falar do processo de "unveiling" como uma integração do ser como um todo, tanto dos arquétipos masculinos quanto femininos, podendo ser usado por qualquer pessoa, ela resolveu se ater ao caso da integração apenas dos arquétipos femininos nas mulheres. Sendo que o arquétipo da amazona é uma pseudo exceção que ela trata como sendo um traço masculino que as mulheres podem ter, e até devem cultivar nos dias de hoje, mas que deve ser domado para não tornar a mulher masculina demais. Veja bem, eu sou super a favor do equilíbrio das coisas, dos arquétipos e tudo o mais, o problema, no meu ponto de vista, é que o equilíbrio é diferente para cada um, então não existe isso de mulher masculina/feminina demais nem de homem masculino/feminino demais.

Enfim, sei que nem todos vêem as coisas assim (vide os posicionamentos da autora), mas espero que a humanidade esteja evoluindo nesse sentido. O que me entristeceu foi esperar algo mais interessante e progressista de uma bailarina de dança do ventre com tanta experiência em outros caminhos espirituais, ao invés da confirmação de um monte de preconceitos e clichês.

Nota 6.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Nenhum olhar


SPOILER FREE

Esse mês é dedicado aos autores portugueses contemporâneos no Desafio Literário, por isso, no final do mês passado resolvi me dar de presente alguns livros de autores portugueses que eu ainda não conhecia, Nenhum Olhar foi o primeiro dessa leva que chegou lá em casa (ou outros ainda não chegaram infelizmente). Escolhi esse livro porque o autor é muito bem comentado em diversos blogs, e, bom, ganhou diversos prêmios, e esse, aparentemente é o livro mais famoso desse autor, tendo sido traduzido para diversas línguas.

Infelizmente o livro não é tão bom quanto o seu currículo sugere. Sabe aqueles autores brasileiros chatos que escrevem sobre a pobreza e o sofrimento do interior do Brasil? (não confundir com obras maravilhosas como A Hora da Estrela) Pois bem, imagine a versão portuguesa deles. Agora pegue essa temática adaptada e misture com o jeito chato de escrever da Virginia Woolf em As Ondas. Você tem Nenhum Olhar.

Quem curte literatura "alternativa", daquelas onde o lance do escritor é causar impressões no leitor ao invés de contar uma história, vai gostar desse livro. Pessoalmente, eu acho chato. Um monte de personagem fazendo reminiscências sobre a sua própria vida sem sentido e seus sofrimentos para mim é algo insuportável, a não ser que seja muito inspirador, o que não achei que fosse o caso, apesar do autor conseguir alguns momentos bem poéticos.

O livro é dividido em duas partes, sendo que a primeira é muito, mas muito chata. No meio de Josés, Marias (como bem convém a um livro português que se passa no interior de Portugal) e personagens insólitos como o gigante e o demônio (ainda não entendi muito bem quem eles são, mas desconfio que o gigante seja apenas um homem grande bizarro e o demônio, bom, o demônio eu acho que é o próprio mesmo), absolutamente nada acontece numa cidadezinha do interior, onde tudo gira em torno de uma grande fazenda. E José, a sua mulher, e mais alguns personagens no mínimo bizarros (mas não por isso mais interessantes) vão desfiando suas ladainhas até suas mortes.

A segunda parte do livro é mais interessante. Trata dos descendentes dos personagens da primeira parte, e aí o livro ficou mais interessante para mim, pois há toda uma reviravolta com relação a como os pais desses personagens eram e como os seus filhos são. Quase coisa de fofoca de cidade pequena, sabe? Não dá para não se interessar. Então, conforme a trama vai escalando e ficando cada vez mais interessante, o autor resolve acabar com a brincadeira e voltar à temática da primeira parte do livro e destruir tudo só porque ele é o autor e pode fazer isso.

Podem fazer todas as análises psicológicas e/ou filosóficas do mundo com esse livro (e olha que isso é pano para manga nesse caso), eu ainda vou achar brochante o que o autor fez. Bro-chan-te. E sem gostinho de quero mais ou de foi bom mesmo assim, sabe? Só brochante mesmo.

Nota 4.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Todos os nomes


SPOILER FREE

E chegamos ao mês dedicado a autores portugueses contemporâneos no Desafio Literário! E claro, não tinha como escapar do maravilhoso e premiado Saramago. O que nesse caso foi muito bom!

Esse livro, "Todos os nomes", tem uma história engraçada (sempre tem, né?). Meu marido tinha um exemplar que ele demorou meses lendo, e quando estava quase terminando ele perdeu o livro. Sério, perdeu. O livro simplesmente desapareceu! Tudo bem que ele costuma perder coisas em casa, mas isso costuma ser temporário, e normalmente eu acho as coisas que ele perde e tudo fica bem. Infelizmente não foi o caso do livro interminado. Tem coisa mais triste do que isso? Perder um livro no meio da leitura? Morri de pena, e dei um novo exemplar de aniversário ou de natal (as datas são próximas e isso faz alguns anos, por isso não me julgue). E finalmente ele pôde terminar a leitura! E agora foi a minha vez de pegar o livro, e graças a deus não o perdi! Já pensou? Aí seria demais, né?

Enfim, anedotas à parte, "Todos os nomes" é um livro típico do Saramago. Só ele consegue pegar uma personagem comum e sem graça, vivendo uma vida absolutamente comum e sem graça e encher de poesia e coisas inusitadas. Escrito no formato clássico do Saramago, o livro conta a história de um senhor que trabalha no Registro Geral de uma cidade sem nome. Ele tem uma vida absolutamente sem graça e monótona, até o dia em que algo muda dentro dele e num "surto" ele resolve aproveitar o fato de trabalhar no registro para conseguir algumas informações extras para uma espécie de coleção que ele faz (uma coleção absolutamente comum, diga-se de passagem) e por causa disso algo inesperado acontece e por causa disso a vida até então pacata e sem graça do Sr José vira de cabeça para baixo.

Claro que o virar de cabeça para baixo é bem no estilo Saramago de ser, onde o insólito encontra o comum de uma forma extremamente poética, e triste, claro, senão não seria Saramago.

O livro é uma delícia de ler, e apesar do tom triste e meio deprê a leitura é leve e rápida. O final, apesar de aberto, é lindo. Daqueles que te deixam suspirando e imaginado coisas.

Mas não é o melhor livro do Saramago. O que não conspira contra a qualidade do livro, claro.

Nota 10, só pra variar.