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terça-feira, 31 de março de 2020

The Automobile Club of Egypt by Alaa Al Aswany



SPOILER FREE

Para fechar o Desafio Literário Popoca do mês de março, com o tema autores orientais, resolvi ler o autor mais celebrado do Egito hoje, Alaa Al Aswany. Autor de diversos best-sellers traduzidos para nem sei quantos idiomas, o egípcio é considerado o novo Naguib Mahfouz (para os desavisados, ele foi o primeiro ganhador do Nobel de Literatura do mundo árabe, recomendo a leitura também).

Apesar de The Automobile Club of Egypt ser meu terceiro livro desse autor, é a primeira vez que a comparação com Naguib Mahfouz me pareceu realmente apropriada. Não só pela riqueza do enredo desse livro, mas também pelas posições políticas dos personagens e a escolha da época que se passa a história, isto é, o final da ocupação do Egito pelos Britânicos, que é um período histórico extremamente usado pelo prêmio Nobel árabe.

Apesar de Alaa Al Aswany ser bem mais picante que seu conterrâneo, ele soube retratar de forma muito rica uma família vinda do Alto Egito em desgraça financeira, que acaba se estabelecendo no Cairo e se envolvendo com o Clube do Automóvel do Egito, uma instituição bastante inglesa patrocinada pelo rei do Egito. É importante apontar que o Egito, durante a ocupação inglesa, foi uma monarquia fantoche dos britânicos, e que diversos movimentos conhecidos até hoje, como a Irmandade Muçulmana, surgiram nessa época, o que explica seu favoritismo pelos autores locais.

Pessoalmente eu gosto muito da história do Egito moderno, e estudei muito essa fase em particular, portanto, posso atestar a qualidade do retrato feito pelo autor. Soma-se a isso excelentes personagens e uma história cheia de reviravoltas e surpresas e você tem The Automobile Club of Egypt. Não é uma leitura exatamente leve, mas vale os momentos mais tensos e pesados.

Apesar de ainda não ter sido traduzido para o português, é possível encontrar o livro em inglês e espanhol. Recomendo a leitura!

Nota 10.

sábado, 23 de junho de 2018

The Harafish



SPOILER FREE

Acho que posso dizer que sou uma fã incondicional do egípcio ganhador do Nobel de Literatura, Naguib Mahfouz. Eu tento ler pelo menos um livro dele por ano, numa tentativa de fazer a sua obra extensa, mas que não cresce mais porque infelizmente ele faleceu há alguns anos, durar o máximo possível. Porque se deixar, acho que devoro tudo dele de uma só vez.

Infelizmente ele não é tão traduzido para o português quanto merecia, mas com algum esforço dá para se achar até muita coisa (Trilogia do Cairo - vol 1, vol 2 e vol 3, sua obra prima; Miramar, excelente livro; O beco do pilão; Noites das mil e uma noites; O jogo do destino; Rhadopis; O ladrão e os cães).

Em especial, The Harafish não foi traduzido para o português ainda, o que é um pecado terrível. O livro traz um grande épico familiar que transpassa por inúmeras gerações de uma mesma família (deve ter mais de dez gerações aí, confesso que me perdi na conta). Mahfouz é tão genial, que ele faz dessa oportunidade uma grande colcha de retalhos de diversas situações familiares especialmente egípcias e árabes, não perdendo a chance de ainda por cima fazer uma crítica sobre a forma como os árabes percebem os descendentes de personalidades religiosas, eu iria longe o suficiente para dizer que podemos incluir aí Maomé. Lembrando que no islamismo casar e ter filhos é algo esperado de todos, santos e profetas não estão fora disso.

Na questão familiar, é interessante reparar na obra de Mahfouz as questões relacionadas ao casamento, poligamia, divórcio e a politicagem interna familiar, como o poder dos pais sobre os filhos, a questão da primeira esposa, filhos homens x filhas mulheres, etc. A diferença de tratamento para personagens homens e mulheres é especialmente importante também, trazendo um retrato bastante fiel da cultura árabe sobre o assunto.

Além disso, o título faz alusão a uma classe de trabalhadores que hoje poderíamos criar um paralelo aos favelados. Trabalhadores de baixa escolaridade e sem treinamento que vivem basicamente de bicos e trabalhos manuais, e que, claro, são paupérrimos e quase sempre passam fome. Nesse sentido, Mahfouz aproveita para também fazer uma crítica bastante pesada ao sistema de classes (ele era comunista de carteirinha), e demonstrar como esse sistema não só se perpetua de forma absolutamente injusta, mas pode ser modificado pela união e revolta da classe mais pobre, visto que são mais numerosos. Pode acrescentar aí críticas à falta de posicionamento do governo em bairros pobres (hum...), a questão das propinas (ahã...) e a falta de lideranças capazes de modificar a situação (né...). Características extremamente árabes à parte, podemos dizer que é um tema bastante universal.

O livro vai entrar na lista de melhores do autor. Maravilhoso é pouco para descrever.

Nota 10!

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Before they were belly dancers


      In 1896, my paternal great-grandmother and her only child, my grandmother, set out from Peoria, Illinois, on their Grand Tour of Europe, an extended vacation that eventually included a Cook's Cruise of Egypt's Nile. At the dock at Asyût, under a bright February sun, my great-grandmother wrote on her diary:
     Boats were drawn up along the shore; camels with huge loads went by and altogether it was a strangeand lively scene. Today just before the steamer started it was still more so. Many freight dahabehs [boats] were unloaded onto the camels and men with pig- and goat-skin water bagswere filling them from the river. A great gaunt, pink-legged ostrich strode by. A dancing girl with her face tattoed danced on the sand to the music of a coconut fiddle.

SPOILER FREE

Esse é um livro que fiquei muito feliz quando descobri que existia, dada a escassez de material acadêmico sobre a história da dança do ventre produzido por amantes da dança. Em consequência, fiquei meses namorando ele antes de comprar, até que não resisti. Acho inclusive que não o comprei em promoção, o que é algo muito raro.

E não me arrependi, pois o trabalho da Kathllen é excelente. Através de uma extensa pesquisa em textos de viajantes que visitaram o Egito entre 1770 e 1870, se não me engano, ela faz um levantamento bastante completo do que foi escrito sobre o mundo da dança no país, organizando a informação em diversos temas, de forma a melhor organizar os dados disponíveis.

Como boa pesquisadora, a autora ainda leva em consideração a questão do preconceito dos viajantes, em sua maioria ingleses e franceses, em seus relatos para tentar extrair o máximo de dados não corrompidos por uma visão eurocêntrica ou desmerecedora da cultura egípcia, especialmente no quesito de perceber a dança como excessivamente sexualizada ou animalesca.

Dessa forma, ela consegue apontar diversos fatos interessantes nos escritos de viagens, tais como a história das roupas utilizadas pelas bailarinas, a questão dos tipos de bailarinas que existiam na época, inclusive bailarinos homens que se apresentavam em tudo quanto é tipo de espaço. Ela consegue apontar alguns estilos de dança que já não existem mais, alguns acessórios que eram comuns, e até um pouco da biografia de algumas bailarinas e um bailarino da época.

De quebra ela ainda trata de alguns mitos comuns na comunidade da dança do ventre, apontando o que deles pode ser considerado apenas rumor e o que é de fato invenção. Levando em consideração a fonte de pesquisa, ela toma bastante cuidado ao não afirmar como verdade absoluta o que é contado pelos viajantes, o que é um ponto positivo. A única questão que eu acho que ela não trata muito bem é a questão dos europeus entenderem os bailarinos homens como travestis, pois pessoalmente eu tenho minhas dúvidas do quanto dessas afirmações são válidas e o quanto é julgamento europeu em cima de homens que dançavam "de saia ou vestido", usando maquiagem e mexendo o quadril.

A excelente qualidade do trabalho a parte, é preciso dizer que o livro é extremamente acadêmico, o que torna a leitura um tanto pesada e maçante em alguns pontos. Não que todos os textos acadêmicos sejam assim, mas não é o foco da autora fazer um texto leve ou agradável.

Fiquei tão feliz com essa leitura que já comprei mais um livro desse tipo, dessa vez do Anthony Shay (que eu já e gosto do trabalho) para ler no próximo ano.

Nota 9,5.

sábado, 28 de janeiro de 2017

Fountain and tomb


I enjoy playing in the small square between the archway and the takiya [monastery] where the Sufis live. Like all the other children, I admire the mulberry trees in the takiya garden, the only bit of green in the whole neighborhood. Our tender hearts yearn for their dark berries. But it stands like a fortress, this takiya, circled by its garden wall. Its stern gate is broken and always, like the windows, shut. Aloof isolation drenches the whole compound. Our hands stretch toward this wall - reaching for the moon.

SPOILER FREE

Mais um livro de um dos meus autores favoritos, o egípcio ganhador do Nobel Naguib Mahfouz. Infelizmente, pra variar, é mais um volume que não foi traduzido para o português, o que pra mim simplesmente não faz sentido, pois o trabalho do autor é simplesmente maravilhoso e muito vasto para termos apenas uma meia dúzia de traduções.

Dessa vez, o livro traz diversos contos bem curtinhos que retratam a infância do autor num bairro na periferia do Cairo. O quão autobiográfico as histórias realmente são (ou quantas) é um mistério, mas a qualidade da escrita não deixa dúvida sobre a grandiosidade de Mahfouz. Esse volume que consegui, em específico, ainda tem diversas ilustrações belíssimas, que para mim, como aficionada pelo mundo árabe, é de um deleite incrível.

Outro ponto que gostei foram as descrições sobre as brigas de rua, que descrevem o uso dos bastões pelos egípcios como forma de arte marcial que hoje, aqui no ocidente, só vemos de forma bem distorcida através da dança do bastão retratada na dança do ventre. Quanto a isso eu tenho uma lembrança particularmente especial, certa vez vi num show um cantor egípcio e um bailarino profissional (egípcio também) que mora na Alemanha fazerem essa luta, mas numa versão mais suave, dançada (pense em capoeira), e precisei me conter para não rir, pois o pobre bailarino quase apanhou de verdade, mal podia se defender dos movimentos do egípcio, que apesar de parecerem suaves certamente tinham uma potência de quem fazia isso nas ruas, de "brincadeira", como descrito nesse livro do Mahfouz. Literatura é fonte de conhecimento!

Eu não tenho palavras suficientes para descrever o quão maravilhoso é o trabalho de Naguib quando ele acerta na mão. É realmente sensacional e de tirar o fôlego.

Nota 10.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Friendly Fire



SPOILER FREE

E novamente estou com o problema do Kindle lotado. Talvez agora a situação esteja ainda mais crítica, tem uma lista de uns 20 ou 30 livros que estão aguardando espaço para serem baixados. Uma vergonha completa. Então, voltei a correr atrás da meta esvaziar o kindle!

Pensando nisso, resolvi pegar mais um livro do autor egípcio mais famoso da atualidade Alaa Al Aswany, que escreveu o aclamado "Edifício Yacoubian". Dessa vez peguei um livro de contos que por um acaso tem uma novela no início. "Friendly Fire", que saiu em português com o título "E nós cobrimos os seus olhos", começa com uma explicação do autor sobre como ele nunca conseguiu publicar a tal novela no Egito por problemas de censura, o que também te prepara para a história, que é realmente sensacional apesar de um tanto dura, e pelo ponto de vista de um censor faz todo sentido que ela nunca tenha sido publicada.

Além dessa novela, que é quase um livro por si só, "Friendly Fire" tem uma quantidade grande de contos do autor, todos eles com o mesmo clima de querer mostrar a realidade nua, crua e dolorosa do Egito. Como todo livro de contos, nem tudo ali é digno de ser chamado de obra-prima, tendo os seus altos e baixos, mas no geral o livro é muito bom. A qualidade média dos contos é excelente.

Alaa Al Aswany é um escritor de mão cheia, do que eu já li dele até agora achei tudo maravilhoso, mas ele é aquele tipo de autor de um país pobre que gosta de falar dos problemas da sua terra natal (ya baladi!), o que não é um tópico sempre agradável e não é todo o mundo que curte ler. Para quem curte o mundo árabe (o meu caso, claro) acaba sendo sempre proveitoso, mesmo que não goste do estilo.

Para os fãs do finado prêmio Nobel Naguib Mahfouz, Aswany é uma ótima sugestão, pois ele segue numa linha um pouco mais contemporânea de literatura realista, com a vantagem de ainda estar escrevendo, o que traz a possibilidade de novas leituras!

Nota 10!

terça-feira, 26 de abril de 2016

Les danses dans le monde arabe ou l'héritage des almées


SPOILER FREE

Esse é um livro que deveria ser editado em todos os países onde se estuda dança do ventre, e que talvez eu devesse ter lido há muitos anos atrás, mas sabe como é a vida... nunca dá tempo de ler tudo que a gente gostaria e/ou deveria.

É uma coletânea de ensaios de diversos autores, começando pelo estudioso Christian Poché, francês, óbvio, que tem diversas obras muitíssimo interessantes sobre musicalidade, em especial a música árabe. Não consigo entender porque ele nunca foi traduzido para o inglês, é simplesmente uma perda para todos aqueles que não falam francês.

No ensaio de Christian (olha a intimidade), chamado "La danse arabe: quelques repères" (A dança árabe: algumas referências), ele trata da utilização de diversos termos pelos árabes para denotar ou não a dança ao longo da história. Porque, quem estuda dança do ventre deve ter percebido, existe uma total inexistência de estudos realizados por árabes acerca da dança árabe. Só se começa a ter algum tipo de registro de origem árabe, de estudos ou de forma puramente jornalística, a partir do século XX. E quando eu digo registro, não é alto do tipo, "na região Blá existe a dança Blé que se faz assim e assado", não, é algo ainda mais complicado, é a ausência da palavra em árabe que denomina o ato de dançar. De todos os textos do livro, esse é o mais pesado e complicado, mas é realmente essencial para se entender algumas dificuldades acadêmicas e também o posicionamento de diversos árabes com relação à dança.

No ensaio seguinte, da organizadora do livro, Djamila Henni-Chebra, cujo título é "Égypte: profession danseuse" (Egito: profissão bailarina), está o melhor texto do livro. No trabalho de Djamila está traçada toda a história documentada da dança do ventre, num trabalho primoroso de pesquisa em jornais e revistas egípcios. Pessoalmente, a melhor parte de ter lido esse texto é ter tido uma confirmação acadêmica e organizada de tudo o que eu já havia lido em pedaços por aí e que fui juntando na minha cabeça, Djamila simplesmente traduziu boa parte do que consegui apreender em 15 anos de dança e estudo num texto preciso e gostoso de ler. Pensando bem, acho que eu deveria me sentir mal.

O livro segue com 3 ensaios de danças folclóricas, o primeiro do Egito, compreendendo em trechos traduzidos da tese de mestrado escrita nos anos 70 por Magda Saleh, prima ballerina do Egito, que hoje vive nos EUA. Fiquei tão encucada com os trechos desse livro, que são tão ricos e bem escritos, que agora estou enlouquecida atrás do texto completo de Magda, e ainda não consegui. Uma tristeza.

O segundo ensaio de danças folclóricas é de Sellami Hosni, sobre a Tunísia, que achei interessante, mas eu não me interesso particularmente pelas danças tunisianas, então não li com tanta atenção.

E, por fim, um ensaio sobre danças da Algéria, de Brahim Bahloul.

Olha, é uma leitura obrigatória para quem estuda dança oriental.

Nota 10.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A leitora do Alcorão



SPOILER FREE

Esse livro foi uma indicação da minha professora de árabe, e eu estava super animada com ele, não só pelo conteúdo prometer ser interessante, mas também pelo fato da autora ser escritora profissional.

Digo isso porque o livro é uma autobiografia de uma norte americana, que após os atentados de 11 de setembro, chegou à conclusão que ela queria ser muçulmana e resolveu se converter, além de ir morar no Cairo, no Egito. Como narrativa, é extremamente interessante, mas por ser uma autobiografia sempre corre o risco de ser um "Marley e eu" da vida, uma ótima história, mas escrita por alguém que teria feito melhor ao contratar um ghost writer. Daí a expectativa aumentar ainda mais, pois Willow Wilson é autora de diversos livros de ficção, alguns inclusive de temática oriental.

Na hora do vamos ver, o livro é realmente interessante, a história dessa americana é algo realmente surpreendente, e ela desfia fatos e explicações sobre o islamismo que não costumam ser bem difundidos, o que torna o seu trabalho de interesse geral. Em compensação, é uma autobiografia, e as pessoas normalmente não conseguem ser muito objetivas ou até mesmo muito organizadas quando estão tratando de suas próprias lembranças (lembro dos problemas da autobiografia da Isadora Duncan).

Em outras palavras, o livro muitas vezes é meio confuso. A narrativa não é exatamente linear, indo e voltando no tempo algumas vezes, de uma forma que lembra o fluxo de pensamentos ou memórias, mas como a gente faz na nossa cabeça, isto é, sem avisar ao leitor que não está mais sendo tratado o mesmo episódio, e nem mesmo a mesma época. Dessa forma, o corte na leitura ficou muitas vezes um pouco abrupto, lembrando mais um roteiro de cinema ou televisão do que um livro. Aliás, esse é um problema que tenho encontrado com frequência em muitos autores contemporâneos, especialmente os americanos, imagino se isso se deve a um excesso de contato com essa mídia ou se os leitores mais jovens já esperam algo assim, algo como "um programa de televisão escrito". Pessoalmente, eu não curto esse tipo de abordagem, acho que ela é da mídia audiovisual, mas não funciona bem na literatura, precisando de uma adaptação para que as trocas de momentos sejam percebidas por palavras ao invés de uma imagem.

Apesar desse problema, lá pelo meio do livro você começa a se acostumar com o estilo, e a leitura passa a fluir melhor, e, assim, dá para apreciar mais a história de vida da Willow, que é, sem sombra de dúvida, extremamente interessante.

Nota 8.


segunda-feira, 8 de junho de 2015

Choreographic Politics



SPOILER FREE

Então, como vocês sabem eu também sou bailarina, então de vez em quando eu leio uns livros bem técnicos relacionados à dança, em especial à dança do ventre, e esse aqui foi um achado que eu fiz há alguns anos na Amazon (sempre na Amazon...). Anthony Shay é bailarino e coreógrafo, e um grande estudioso da dança (ele tem outros livros na minha lista de leituras que também prometem), e de vez em quando ele lança algum livro imperdível com algum estudo absolutamente inédito na área.

"Choreographic Politics" é um desses livros. Nele, Anthony traz uma grande análise de companhias de danças folclóricas de diversos países, entre eles: URSS (isso mesmo, a união soviética), México, Turquia, Grécia, Irã (antes da revolução, claro) e, o grande motivo de eu ter comprado o livro, Egito.

A análise gira em torno da representatividade real dessas companhias com relação ao país que elas se dispõe a representar, não só com relação a totalidade ou não das etnias e estilos cobertos nas suas apresentações, mas também na verossimilhança do que é apresentado em palco com o que se encontra sendo dançado entre a população.

O ponto é que essas companhias acabam sendo uma representação gráfica da imagem que os seus governos querem passar do ideal que eles querem que seja a sua cultura, e acabam sendo um instrumento não só de propaganda externa, já que elas fazem turnês por todo o mundo, mas também podem ser utilizadas para moldar a forma como o seu próprio povo vê o seu país e trabalhar até mesmo um ideal de nacionalismo e o que significa pertencer a uma determinada nacionalidade. Bem complexo, não é mesmo?

Para tentar entender isso tudo, o autor se dispõe a mostrar, caso a caso, como a situação sócio-econômico-política de cada país teve uma relação direta com a forma como cada uma das companhias de dança analisadas realizou o seu trabalho, montou as suas coreografias, criou o seu corpo de baile, conseguiu ou não apoio do estado ou da população, e como elas influenciaram umas às outras em suas turnês internacionais. Um trabalho monumental e monstruoso em sua grandiosidade e tempo depreendido, e que Shay realiza com maestria.

Para quem quer apenas saber as curiosidades: Shay demonstra que boa parte do que chamamos dança russa é pura invenção, e nada tem de folclore de raiz. O México tem problemas sérios de identidade cultural, com uma briga de representatividade entre indígenas e descendentes de espanhóis, cuja herança cultural é muito mais celebrada e considerada de alto nível (semelhanças com o Brasil? hum...). A Turquia praticamente fabricou do nada o que significa ser turco, e nesse processo as danças foram muito utilizadas. A Grécia baniu do seu folclore tudo aquilo que pudesse ser remotamente conectado ao seu passado de dominação turco-otomana, e no processo não só ignora folclores com essa origem que realmente existem, como também aumentou a hostilidade para com sua população de origem muçulmana. Aliás, Grécia e Turquia tem um passado negro com relação a minorias que ambos tentam fingir que nunca existiu, mas vamos pular isso.

E, finalmente, o Egito. É tão bom ver um trabalho bem feito e bem fundamentado sobre o folclore egípcio... e melhor ainda, que fale com todas as letrinhas o que a muita gente no meio da dança do ventre prefere não falar, que a maioria dos folclores apresentados pelo Mahmoud Reda, o grande coreógrafo egípcio que todo o mundo usa como base para estudo, é inventada e nada tem a ver com o que os egípcios realmente dançam. Aliás, o Egito, assim como outros países árabes, tem um relacionamento meio complicado com a dança, uma coisa de amor e ódio que a gente, hoje, tem dificuldade de entender. E como estudar a história é importante para entender não só esse relacionamento, mas também o porquê de algumas coisas na própria dança. O que faz sentido, pois a cultura é um reflexo da história também.

Me fartei com o livro. Bom demais. Para quem curte geopolítica, relação entre política e cultura e dança, é um prato cheio.

Nota 10.

The Secrets of Egypt



SPOILER FREE

Eu ando super atrasada nas minhas resenhas, e esse livro aqui é a principal causa desse atraso. Estou há um mês enrolando para escrever sobre ele porque confesso que não gostaria de escrever e publicar o que eu realmente gostaria de dizer sobre ele.

Joana Saahirah é uma bailarina de dança do ventre portuguesa que morou durante oito anos no Egito, onde fez uma carreira muito interessante, e que abriu portas para ela viajar dando workshops pelo mundo inteiro. Ela possui um blog que é muito legal, e que tem um jeito de auto-ajuda para bailarinas, e eu acompanhei os seus vídeos e posts durante muito tempo, e gosto tanto do trabalho dela que assim que o livro saiu na Amazon eu comprei.

Demorei um bocado para lê-lo, é verdade, mas com a minha lista interminável de leituras, isso é normal.

Mas, gente, como fiquei triste ao ler o livro.

O que eu esperava: a história de Joana como bailarina, como ela saiu de Portugal, como foi se mudar, depois viver no Egito, como foi se adaptar a essa cultura tão diferente, e como isso mudou Joana como pessoa e como bailarina.

O que eu encontrei: uma história confusa, que a princípio era para ser o que eu esperava, mas veio entremeada dos textos de auto-ajuda do blog dela, o que não seria um problema, se não fosse extremamente repetitivo, e, o pior, contada de forma preconceituosa. A jornada de Joana no Egito não foi fácil, entendo isso perfeitamente, viver lá não é para qualquer um, ainda mais sendo mulher e bailarina, e entendo também que ela tenha sofrido muito, mas muito mesmo nesse processo. Mas fiquei chocada com a raiva guardada que ela acabou por colocar no livro, o que fez com que o texto soasse diversas vezes como extremamente preconceituoso, em especial com a religião islâmica.

Não que o Egito seja um lugar lindo e maravilhoso para mulheres, mas, assim, existem formas e formas de se dizer as coisas, não é mesmo? Não acredito que piadinhas, afirmações genéricas e uma visão de superioridade européia sejam uma boa forma de tratar o assunto. Se era para sensibilizar os estrangeiros, deu a entender que os egípcios, bárbaros e incivilizados, não têm jeito, se era para sensibilizar os egípcios, bem, se eu fosse egípcia eu ficaria com muita raiva. Então, sinceramente, não consigo entender o objetivo de tratar as coisas dessa forma.

Ainda bem que existem outros livros de bailarinas que são mais leves nesse sentido, e que também trazem informações super interessantes de como é viver como bailarina na terra das pirâmides. Se você se interessa pelo assunto sugiro "Ma liberté de danser", da egípcia Dina, e "Stories of a travelling bellydancer", da finlandesa Zaina Brown.

Nota 4.

quarta-feira, 8 de abril de 2015

O jogo do destino


SPOILER FREE

Quem acompanha o meu blog sabe que eu AMO Naguib Mahfouz, já li tantos livros dele e tenho tantos outros a ler que já perdi a conta. Mas mesmo os gênios literários como ele tem os seus baixos, e nesses momentos vemos que ele também é humano, o que é uma sensação contraditória, uma tristeza misturada com uma certa alegria por ele não estar tão distante de nós, reles mortais.

Peguei mais um livro dele para ler porque um dos temas desse mês era um autor asiático ou do oriente médio, e, para mim, qualquer desculpa é desculpa para ler Naguib Mahfouz.

Eu já sabia que esse livro dele não era lá grandes coisas, pois ele costuma ser classificado como um dos piorzinhos dele, sendo da sua primeira fase como autor, quando ele se focava em temas relacionados ao Antigo Egito. Essa fase costuma ser explicada pelo momento em que o autor vivia, de grande patriotismo no Egito, e foi uma espécie de tentativa de se apoderar do passado glorioso dos faraós no Egito moderno. Mas é Naguib Mahfouz, e eu leria feliz até a lista de compras dele.

Então, "o jogo do destino" traz uma trama da época da construção das pirâmides, quando o faraó escuta uma profecia, que diz que a sua dinastia acabaria com ele, e nenhum dos seus descendentes subiria ao trono. A ameaça é um bebê recém nascido, destinado a virar faraó, que é filho de um dos grandes sacerdotes.

A história em si, é muito interessante e cheia de reviravoltas, o que torna a leitura dinâmica e interessante. Porém a construção dos personagens é simplória, vê-se que o autor ainda não tinha dominado bem esse ponto nessa época, tendo quase caricaturas que se baseiam apenas no preto e branco, bom e mau. Um jeitão meio Shakesperiano de escrever, sabe? Com direito ao excesso de drama e tudo o mais. Outro ponto que me incomodou, mas quanto a isso eu tenho o Christian Jacq para culpar, é a forma como Mahfouz retrata os egípcios antigos, achei muito estranho a forma basicamente islâmica deles se tratarem uns aos outros, além da forma como as mulheres são retratadas, numa quase cópia da sociedade árabe, e um pouco diferente demais do que escuto dos egiptólogos (novamente culpa do Christian Jacq!).

Enfim, é uma leitura interessante, mas não excepcional. Para quem curte Egito Antigo, mas não o suficiente para saber muito do assunto, é uma leitura muito legal, assim como para quem curte tramas de poder e discussões sobre o destino.

Nota 7,5.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Wedding Song



SPOILER FREE

Ainda na corrida para fechar o ano com 70 livros (nunca mais faço isso na minha vida, não desse jeito!), peguei mais um livro da pilha do Naguib Mahfouz (pilha fruto de uma compra enlouquecida numa promoção num sebo internacional maravilhoso, o Better World Books) porque ele parecia ser rápido e tranquilo de ler.

"Wedding Song" ainda não foi traduzido para o português, como a maioria das obras do autor egípcio (o que é uma pena), e o estilo lembra uma outra obra dele: Miramar. É um estilo de narrativa que pessoalmente eu curto muito: uma história contada diversas vezes, cada vez sob o ponto de vista de um personagem diferente. Dessa vez a história trata de uma família de classe baixa do Cairo que trabalha para um teatro e o drama que se desenrola com eles, numa mistura de análise social com mistério, coisas do Naguib Mahfouz. A história envolve os problemas de um casal e o seu filho, que está estreando como autor de peças de teatro, e um ator de meia idade que nunca conseguiu fazer sucesso.

O livro é especialmente interessante para quem quiser observar a forma como a mulher é vista e julgada na sociedade egípcia (mas a história caberia em diversos outros lugares também, o que é muito triste), e, claro, tem o charme que só Naguib Mahfouz consegue colocar em histórias dramáticas para que elas não fiquem piegas.

Mas infelizmente é aquilo: eu quando leio Mahfouz sempre espero algo extraordinário, e "Wedding Song" não está entre os seus melhores livros. O livro é muito bom, super aconselho, mas, não é aquela Brastemp que se espera do autor não. Por isso:

Nota 8.

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Respected Sir






SPOILER FREE

Para quem segue o meu blog há algum tempo já deve ter reparado que eu tenho uma queda pelo autor e prêmio Nobel do Egito Naguib Mahfouz. E sim, minha coleção de livros dele é bem grande, mas ainda está longe de cobrir toda a sua obra, que é imensa.

Como eu mencionei anteriormente, na resenha de The Voice of Egypt, em setembro eu precisava ler um livro sobre história de um derterminado período e um romance do mesmo período, e resolvi aproveitar para ler mais um livro do Naguib Mahfouz. Porque tudo é desculpa para ler esse grande mestre.

"Respected Sir" não é a obra prima do autor egípcio, mas isso não o torna menos interessante. O livro narra a história de um funcionário público egípcio nascido de uma camada baixa da população cairota que tem como grande sonho da sua vida virar Diretor Geral numa época que podemos estimar como uma das revoluções no Egito do século XX (antes de 70), e não deixa de ser uma alegoria muito interessante para a condição de qualquer ser humano com excesso de ambição. O livro retrata de forma magistral como alguém pode levar um objetivo na vida como algo próximo à devoção religiosa, e faz uma descrição extremamente real de diversos problemas e situações comuns na sociedade egípcia (e em outros lugares também! não vamos nos enganar).

Para quem curte o autor é um prato cheio, para quem gosta de ler sobre a sociedade egípcia também. Inclusive o ar desse livro me lembrou um pouco a sensação que tive ao ler Todos os nomes do Saramago, só que com mais ironia com relação ao aspecto religioso que as pessoas são capazes de colocar no seu dia a dia e nos seus objetivos de vida. Aliás, esses dois autores tem algumas características em comum interessantes, especialmente em alguns livros do escritor egípcio, onde Naguib tenta captar as motivações humanas por trás da sociedade onde ele viveu sem se ater à narrativa realista que o fez célebre com a Trilogia do Cairo. Fico muito triste quando vejo que tão pouca coisa dele foi traduzida para o português, sua riquíssima obra merece mais atenção. E quem tiver a oportunidade de ler mais desse autor nas traduções em inglês ou francês eu recomendo muitíssimo.

Nota 9,5.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

The Voice of Egypt




Então, em setembro, num dos meus desafios literários, eu preciso ler um livro histórico e um romance da mesma época. Como quase tudo que tenho de história é sobre o mundo árabe, resolvi ler um estudo sobre a vida e a obra da maior cantora egípcia de todos os tempo: Umm Kulthum. Para acompanhar, no momento estou lendo uma das obras do prêmio Nobel Naguib Mahfouz, também egípcio.

Nesse volume sobre a Quarta Pirâmide (só um dos epítetos de Umm Kulthum), a estudiosa de etnologia musical Virginia Danielson (que tem outros livros sobre a música árabe já publicados), faz um estudo sobre a vida e a obra da cantora, para tentar determinar o que a levou a ter o seu sucesso astronômico e como ela conseguiu manter o seu sucesso mesmo décadas depois da sua morte em 1975.

Como foi pedido especificamente para mim sobre esse livro por diversas bailarinas de dança do ventre, vou fazer uma resenha "with spoiler".

Então, o livro narra com alguma profundidade a biografia da grande Diva Egípcia, mas tenta se ater mais ao lado criativo e do seu estilo musical do que à parte pessoal da vida de Umm Kulthum. Claro que em diversos momentos as duas coisas se entrelaçam, e diversas anedotas (algumas extremamente divertidas) estão incluídas no livro. O mais interessante é que mesmo essas anedotas possuem referência bibliográfica, porque afinal de contas o livro é uma obra acadêmica.

Algum conhecimento de música é interessante para aproveitar o livro em sua totalidade, e em diversas passagens confesso que fiquei desejando conhecer mais teoria musical para compreender o que a autora queria dizer. Mas não achei que minha limitação me fizesse apreciar menos a leitura, pelo contrário, me deixou com vontade de estudar mais música para poder ler o livro novamente.

Isso porque a história de Umm Kulthum perpassa diversas décadas da história do próprio Egito e também da música árabe. Hoje é impossível falar de música árabe sem mencionar a cantora e o seu peso e grandeza. Tamanha é a sua importância que durante décadas algumas das críticas voltadas a ela eram pautadas justamente no excesso de visibilidade que ela tinha, pois parecia que não tocava mais nada além de Umm Kulthum nas rádios. E o rádio foi, durante a maior parte do século XX, o meio de comunicação mais importante do Egito e de diversos países árabes, e ela dominava a programação.

Mas não só de talento musical vivia a Quarta Pirâmide, ela era muito boa no mundo dos negócios também. Seus contratos com as gravadoras e as rádios eram os melhores possíveis para ela, com margens de participação nos lucros e com o maior cachê do Egito (e do mundo árabe), desde a virada da década de 20 para 30 até a sua morte nos anos 60. Seus contratos eram de tal forma que se alguém pedisse um cachê maior o dela deveria subir imediatamente para o mesmo patamar. E sua influência foi tal que ela foi presidente do Sindicato dos Músicos por anos (algo simplesmente impressionante para uma mulher no Egito) desde a sua instituição, e através da sua proximidade com o governo ela ainda tinha um passaporte diplomático, além de participar das formulação das diretrizes para o Ministério da Cultura.

Seus concertos duravam horas e além de serem sempre lotados, ainda por cima eram transmitidos, primeiro pelo rádio e depois pela televisão. Ela foi um dos últimos cantores no mundo árabe a trabalharem nesse estilo tradicional, onde a maioria dos músicos não tinham as músicas anotadas em partituras, mas sabiam tudo de cor e improvisavam em cima, de acordo com as repetições que a cantora fazia de cada linha da música. E Umm Kulthum sabia se comunicar com o seu público, escolhendo não só as músicas que iria cantar de acordo com o humor da sua audiência, mas também repetindo as estrofes de acordo com os pedidos feitos na hora. Dessa forma, cada concerto era absolutamente único e inimitável, e tanto a cantora e sua orquestra quanto o público participava na "criação musical" daquela noite, onde cada música podia durar entre 45 minutos a 1 hora em meia.

Mas como ela atingiu todo esse sucesso?

A conclusão que o livro nos mostra é que Umm Kulthum, por ter tido uma educação (informal) melhor do que a média com o seu pai que era sheique, e por isso sabia recitar muito bem o Corão, teve de cara um recebimento diferenciado quanto chegou desconhecida no Cairo, tanto pelas elites quanto pelas camadas mais pobres da população, de onde ela própria veio. Ela não só tinha uma voz e um talento musical invejáveis, mas ela ascendeu pela sua própria perseverança e estudo, se tornando uma mulher considerada extremamente culta. E isso sem perder o contato com as suas raízes humildes, se mostrando um exemplo de mulher egípcia recatada e religiosa, mas ao mesmo tempo, com o contato com as elites, ela também aprendeu a ser refinada e elegante. Dessa forma, ela conseguiu personalizar um sonho coletivo de ascensão social, sem perder o contato com as tradições egípcias, mas também com um refinamento e peso intelectual que agradavam as camadas abastadas.
Quando o Egito deixou de ser um protetorado britânico e uma monarquia, ela soube se posicionar de forma a manter a aura de egípcia vinda do interior, com capacidade intelectual e talento musical que continuava a agradar tanto o povo quanto a nova elite militar.

Então, Umm Kulthum recebeu descrições como: ela era boa porque sabia recitar o Corão; porque ela cantava à moda tradicional árabe; porque ela sabia inovar e mesmo assim manter a raiz da música como árabe, e mais especificamente egípcia. Mas isso tudo aliado a uma eficiência impressionante para se manter sempre atualizada e no topo financeiramente e dentro da indústria musical como um todo.

Mas claro, a Diva tinha os seus defeitos e manias. Os letristas e compositores que trabalhavam com ela sofriam com suas inúmeras exigências e solicitações de modificações, além de um pagamento que deixava a desejar quando comparado com o que ela ganhava. E desde cedo ela começou a ter problemas de saúde, que a afligiram por toda a sua vida. As fortes luzes dos estúdios de cinema (ela chegou a atuar em diversos filmes) a deixaram com os olhos fragilizados, e por isso ela estava sempre de óculos escuros. Além disso ela tinha problemas graves no fígado, bexiga e pâncreas, que em diversos momentos atrapalharam a sua carreira e por fim a levaram à morte.

Quando ela faleceu, ela já tinha se tornado um ícone tão importante que sua internação foi acompanhada pela televisão, pelos rádios e pelos jornais quase que 24 horas. E o seu enterro foi um acontecimento maior do que o enterro do grande político Nasser, seu caixão após a liturgia foi tomado pela multidão e carregado por 3 horas pelo Cairo até a sua mesquita favorita, onde finalmente o Imã local conseguiu convencer a turba a levá-la para o seu local final de descanso.

Mesmo 40 anos depois da sua morte, ela continua uma presença fortíssima na cultura e na música árabes, e ainda pode ser escutada nas rádios e nos cafés egípcios. Realmente ela merece ser chamada de A Quarta Pirâmide.

Nota 10.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

The Search


SPOILER FREE

Quem frequenta o blog sabe que sou fã de carteirinha do Naguib Mahfouz, portanto esse ano não poderia faltar pelo menos um romance do prêmio nobel de literatura egípcio. A ideia original era que o livro se encaixasse no tema "romance histórico" desse mês, mas ainda bem que "47 ronins" já levou essa classificação, porque dentre os diversos títulos que andei comprando a preço de banana num sebo internacional, dei o "azar" de escolher justamente um que não cabe nesse tema.

"The Search" (que até onde sei nunca foi traduzido para o português) conta a história de Saber, filho de uma mulher poderosa do submundo de Alexandria, que na cabeceira de morte da mãe recebe a incumbência de encontrar o seu desaparecido pai. A partir daí a sua vida se resume numa busca enlouquecida e nos novos relacionamentos que ela traz, com consequências que mudarão para sempre a sua vida.

O livro tem uma pegada que lembra "O ladrão e os cães", com o mesmo ar realista e o foco nas motivações e sentimentos do personagem principal. Dessa forma, apesar de ser um livro pequeno, não é uma leitura leve, ou agradável, e nem mesmo poética, como costuma ser a narrativa do Naguib Mahfouz. "The search" é sobre a realidade nua e crua, sobre o desespero e o orgulho (retratados de forma tipicamente egípcia) que levam as pessoas às últimas consequências, uma história dura e pesada. E, claro, contada de forma magistral pelo autor.

Mas, infelizmente, não está entre as suas melhores obras, o que ainda quer dizer que é muito bom, dado que estamos falando de Naguib Mahfouz. E dentro desse estilo, "O ladrão e os cães" é um livro mais interessante e envolvente. Se você ainda não conhece a obra desse autor maravilhoso comece por algo mais leve dele, no estilo que o tornou famoso fora do Egito, como "Miramar" ou o "Beco do Pilão", se você já leu de tudo que há disponível em português e gostou, então pode pegar "The search" sem medo, vale a pena ver algo diferente de Naguib Mahfouz, mesmo que não seja sua obra prima.

Nota 8,5.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Stories of a Traveling Bellydancer


SPOILER FREE

Então, como muitos já sabem (ou devem ter percebido), eu sou bailarina e adoro ler sobre dança e sobre o Oriente Médio. Quando descobri esse e-book estilo diário de viagem de uma bailarina de dança do ventre, não pude resistir e comprar, ainda mais pelo preço módico oferecido na Amazon!

Depois de passar algumas semanas me namorando no kindle, finalmente resolvi que era hora de lê-lo. Para minha surpresa, o livro é melhor do que eu esperava! (Pois é, confesso que não dava grandes coisas por ele, foi apenas uma paixonite por conta do tema, e vamos combinar que a capa tem um jeito terrível de chick lit).

Zaina Brown é uma bailarina da Finlândia (agora posso dizer que conheço uma autora de lá, vejam só!), que depois de morar algum tempo em Nova Iorque, resolveu passear pelo Egito, e de lá começou a viajar e a dançar pelo Oriente Médio, África e alguns outros lugares exóticos. O livro é uma adaptação dos emails que ela enviava aos amigos durante essas viagens, e o estilo da sua escrita é igual a de qualquer blog. Nesse quesito, Zaina é mediana, ela não escreve mal, mas não é brilhante, e a limitação de estilo pode ser chata para aqueles que buscam outros tipos de leitura.

Mas o que esse livro tem de fabuloso não é o estilo, e sim a história a ser contada! Zaina é uma boa cronista, e seus comentários sobre a forma como as pessoas vivem nos diversos locais por onde ela passa são ótimos! E além de visitar locais absolutamente exóticos (daqueles que você só vê fotos na National Geographic), ela é daquelas turistas que gosta de vivenciar a forma de vida local (até certo ponto, como boa européia ela tem limitações, especialmente no quesito talheres), e se mete em cada aventura que me deixou imaginando de onde ela tira tanta coragem. Além disso, todas as fotos das viagens contadas no livro estão no Facebook dela, o que dá um colorido extra ao livro, já que você pode depois ver o que foi descrito.

Agora fiquei triste por ter tão poucos vídeos dela no Youtube, gostaria de conhecer um pouco melhor a bailarina depois de ter lido o livro. Quem sabe agora que o Oriente Médio está meio complicado de se viajar, ela fique um pouquinho mais nos EUA e faça uns vídeos legais para os leitores assistirem também?

Nota 8.


terça-feira, 29 de outubro de 2013

The beginning and the end


SPOILER FREE

Ainda com o tema de histórias de superação, do Desafio Literário, escolhi mais um livro do Prêmio Nobel de Literatura Naguib Mahfouz (ou em outra opção de transliteração Nagib Mafuz). "The beginning and the end" infelizmente é um livro difícil de encontrar traduzido, seja em inglês ou em francês, em português ainda não tem, mas eu consegui comprá-lo pela Betterworldbooks.com uma espécie de sebo internacional que faz doações toda vez que você compra um livro com eles. E a edição que encontrei ainda é especial (essa da capa aí em cima) porque é da American University of Cairo, que publica livros em inglês no Egito (e só vende lá também).

Isso significa que a tradução é como um verdadeiro árabe teria feito para o inglês, mantendo quase literalmente a poesia original do texto, tão comum na prosa (e na música*) árabe e que às vezes se perde nas traduções. Mas isso também significa que às vezes faltam aspas, ou uma palavra ou outra está escrita errado, e em raríssimas ocasiões o texto não faz lá muito sentido.

Nesse lindo livro, Naguib Mahfouz nos conta a história de uma família que vive no Cairo durante a Segunda Guerra Mundial, e está muito bem de vida, até o momento em que o pai e único provedor da casa morre repentinamente. Numa situação de desespero e beirando a pobreza extrema, a família precisa sacrificar a reputação dos dois irmãos mais velhos (um primogênito solto na vida e uma filha considerada feia que chegou aos 23 anos solteira) para não passar fome e possibilitar a continuidade da educação formal dos dois irmãos mais jovens, grandes esperanças de dias melhores no futuro, caso eles consigam terminar sua educação e consigam bons empregos.

Naguib Mafouz destila poeticamente e para deleite do leitor as transformações que cada membro da família precisa passar para superar essa fase tão negra das suas histórias em comum, o que nem sempre o orgulho de alguns permite, enquanto outros acabam se degenerando completamente no processo. Todos precisam fazer sacrifícios pelo bem do núcleo familiar, e cada um lida com o seu quinhão de forma diferente, onde alguns conseguem passar pelo processo de superação, enquanto outros se perdem pelo caminho.

"The beginning and the end" é um livro lindo, poético e extremamente dramático, pois os sacrifícios exigidos são muito grandes, ainda mais numa sociedade onde a honra e um passado incólume são imprescindíveis para garantir um futuro de riquezas numa teia social extremamente desigual e conservadora. Dessa forma, o autor faz um belo retrato da sociedade cairota (e egípcia como um todo), sem deixar de lado as suas pungentes críticas tão características ao seu estilo (Mahfouz era filósofo e nacionalista).

Nota 10, para variar.

*como bailarina de dança do ventre, vivo procurando traduções de músicas árabes e confesso que ler esse livro foi como ler uma boa tradução de uma música do estilo da Oum Kalsoum com mais de 300 páginas. Simplesmente sublime.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

God dies by the Nile


SPOILER FREE

E depois de ficar um bom tempo sem escrever por aqui por conta de uma viagem, e claro, por conta da volta da viagem (as coisas acumulam que é uma loucura), voltei com estilo! No mês dedicado à vingança no Desafio Literário, resolvi passear pelo conturbado Egito com a egípcia Nawal El Saadawi.

Escolhi esse livro por 2 motivos, o primeiro é que eu gostei demais de outro livro da autora ("Woman at point zero"), o segundo é porque na contracapa dizia que o livro era sobre a vida de uma mulher camponesa cujas sobrinhas sofrem nas mãos do prefeito da sua cidade e ela resolve se vingar. Perfeito, né?

Apesar dessa história não ser tão contundente na questão feminina, Nawal El Saadawi abrange o leque de problemas sociais retratados nesse livro, pois ao invés de se ater aos problemas das mulheres egípcias, ela aborda também os problemas do interior do Egito, onde os camponeses sofrem nas mãos dos seus governantes (bondade chamar assim, capataz é bem mais adequado) e também das suas crenças despropositadas (a velha história de que apesar de não estar no Corão as pessoas ainda pensam de determinada maneira como se estivesse - é claro que esse tipo de coisa é válida para qualquer sistema religioso, mas enfim). Tudo isso de forma bem explícita e com histórias de arrepiar.

A única coisa que me deixou chateada é que, apesar de ter a tal mega vingança mencionada na contracapa, o livro não trata exclusivamente do assunto, e eu confesso que esperava uma construção mais elaborada para o ato final. Tudo bem que eu esperar algo super elaborado ou montado com maquiavelismo por uma camponesa egípcia de origem absurdamente humilde era algo pouco lógico, mas fazer o que, né?

Apesar disso, a autora egípcia está cada vez mais ganhando o meu respeito, seus livros são marcantes e deixam traços indeléveis nos seus leitores. Ela mostra a verdade de forma tão nua e crua que é impossível ficar insensível. Por conta disso mesmo também não recomendo a leitura em série dos seus livros, pessoalmente, acho que eu ficaria deprimida se fizesse isso.

Nota 10.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Harem Years


SPOILER FREE

Esse livro foi um grande achado que fiz durante minhas perambulações por livrarias virtuais (sim, isso é possível!), pois se trata do relato de uma mulher fantástica! Huda Shaarawi foi uma feminista egípcia nascida no século XIX, e uma das últimas mulheres a serem criadas no sistema do Harém  em vigor no Egito até início do século XX. Nesse sistema de segregação completa entre os sexos, as mulheres egípcias tinham uma vida muito limitada, não tinham acesso a uma educação formal (apenas com tutores em casa, e portanto limitado a 1- dinheiro disponível para gastar com a sua educação, que não era considerada importante, 2- limitado apenas aos assuntos definidos pela sua família - e também pelos eunucos e demais criados, vejam só), não podiam andar sozinhas na rua, e estavam sempre sujeitas a autoridade masculina.

Então surge Huda, uma mulher que teve sorte por ter uma boa formação (talvez isso seja devido a morte prematura do seu pai, quando a casa passou a ser gerida pelas suas viúvas - sim, no plural), e que apesar de ter casado muito cedo (13 anos era a idade normal para se casar na época), por um golpe do destino conseguiu passar os 7 anos seguintes longe do marido, quando conseguiu melhorar ainda mais a sua formação. Dotada desde criança de um grande senso crítico, já percebia desde cedo a diferença de tratamento entre ela e seu irmão, e isso sempre a incomodou.

Sendo de uma classe extremamente abastada, ainda pode conviver com mulheres estrangeiras, que na época estavam começando a desenhar o movimento feminista europeu, e Huda embarcou com grande paixão no tema, sendo a fundadora do movimento feminista egípcio, e a primeira mulher a retirar o véu em público no início dos anos 20!

Huda e a delegação egípcia num encontro feminista em Roma

Então, não é apaixonante? Pois esse livro traz suas memórias da sua vida no Harém, antes do seu envolvimento com o feminismo e com o nacionalismo egípcio (mas o livro tem um apêndice DIVINO que trata dessa época e que mostra o quão importante foi o movimento das mulheres para a independência do Egito). O livro foi organizado pela historiadora Margot Badran, especialista em estudos femininos e islamismo, com base no caderno escrito por Huda com suas memórias. Margot apenas juntou os assuntos de forma que a história ficasse numa ordem cronológica, e se atendo apenas ao texto que se referia aos anos vividos no Harém. Porém, como as memórias de Huda iam além disso, e incluem uma longa defesa ao nacionalismo do seu pai, Margot fez um apêndice lindo sobre a história do Egito, utilizando partes das memórias e passagens de textos importantes, como cartas e discursos políticos da época, e também reportagens de jornais.

Além disso tudo, o livro é rico em fotografias! Tem fotos do Cairo antigo, da Huda e de outras personalidades importantes da época. Um primor!

Huda sem o véu, na primeira foto de uma mulher egípcia sem véu publicada em jornais egípcios
O único defeito é que o livro é curto! Adoraria ter muito mais descrições sobre a época e a vida de Huda para ler... acho que minha próxima aquisição será a sua biografia, que já descobri que existe :-)

Nota 9

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

The Yacoubian Building - O Edifício Yacoubian


SPOILER FREE

Continuando a saga dos autores egípcios do Desafio Literário (o tema esse mês é escritores africanos, e estou aproveitando que um dos meus países de interesse fica nesse vasto continente), resolvi variar um pouco e escolhi um romance bem mais moderno: The Yacoubian Building (lançado em português como O Edifício Yacoubian).

O livro foi publicado em árabe em 2002, e desde então foi publicado em mais de 20 idiomas, virou filme indicado pelo Egito ao Oscar (sem nem ir para a indicação final) em 2006, e fez tanto sucesso por lá que virou série de TV em 2007. E isso tudo me deixou muito surpresa! Juro que não sei nem como o livro foi publicado, muito menos como virou filme e foi parar na televisão, pois dada a rigidez da sociedade egípcia, o conteúdo do livro é escandaloso, libertino e fala muito mal do governo.

Quer entender alguma coisa sobre a sociedade egípcia moderna? Está tudo lá: a corrupção reinante entre os governantes, a economia em frangalhos (com todo o desemprego a tiracolo), a hipocrisia na relação homem-mulher, a hipocrisia com relação às religiões (não só o islamismo, mas os cristãos coptas também estão presentes), os problemas pelos quais os homossexuais passam, a violência, a desigualdade, a falta de educação e saúde públicas. E tudo isso dito sem papas na língua. Com direito a cenas explícitas de tortura realizadas pela polícia e transações escusas entre políticos.

Isso tudo no livro! Ainda não vi o filme, estou tentando dar um jeito nisso :-)

Daí vocês entendem a minha surpresa por ele ter sido publicado? Para "piorar" a história do livro se passa num momento muito delicado para a memória do Oriente Médio: A Guerra do Golfo, quando o Iraque invadiu o Kwait e diversos países árabes se uniram aos americanos para libertar o vizinho "das garras de Saddam Hussein" nos idos dos anos 90. Tudo isso já é questionável por si só e, se você procurar, vai ver muitas versões para essa história. Agora imagine isso tudo sendo retratado como pano de fundo para a vida de diversos egípcios  totalmente diferentes entre si: o jovem que se torna muçulmano fanático, o "don ruan" que vive de renda da família que era aristocrata antes da revolução dos anos 50, a jovem que não consegue emprego a não ser que se deixe "à disposição" dos patrões, o cara que nasceu pobre e virou milionário e está se envolvendo na política, o malandro que vive de pequenos esquemas... e todas essas histórias tem como ponto comum o Edifício Yacoubian, que adivinha? Existe na vida real!

Pois bem, o tal edifício do título está lá no Cairo até hoje (apesar de ser diferente da descrição dada no livro), e é lá onde se localizava o primeiro consultório do autor, que vive mesmo como dentista no Egito. Aparentemente a vida literária por lá é parecida com a nossa aqui, os escritores não conseguem viver só de literatura. Mas vamos combinar que dentista não é exatamente a profissão que você imaginaria. E o cara escreve bem!

Alaa Al-Aswany escreve tão bem que diversas vezes senti vontade de sublinhar passagens do seu texto (pena que não ando com um lápis ou uma caneta junto com meus livros, teria sido muito útil dessa vez), e sua pena pode ser extremamente afiada... sem perder a linha ou passar para o vulgar, o que, vamos combinar, é muito difícil no caso da história que ele está contando. Não sei se a tradução para o português ficou tão boa quanto a em inglês, mas gostei demais de ler o livro.

Nota 9!

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O Beco do Pilão


SPOILER FREE

Mais um livro para o Desafio Literário! Esse é do famoso egípcio, prêmio nobel de literatura, Naguib Mahfouz, então não corri o risco de errar de continente! (o tema desse mês é escritores africanos, e o último livro que li comecei julgando que era de uma egípcia, mas descobri que a autora era libanesa! pode isso? me confundi bonito!)

Eu já virei fã do Naguib Mahfouz desde que li a Trilogia do Cairo, e já li outras obras simplesmente maravilhosas dele, como Noites das Mil e Uma Noites e Miramar, então O Beco do Pilão era um livro que gerou muitas expectativas. Ele também foi protagonista de uma grande caça pela internet, pois ele está esgotado! Mas eu consegui um exemplar no Submarino... podia ser pela Estante Virtual, eu sei, mas como sou alérgica, dou preferência a livros novos quando posso.

Voltando o livro, O Beco do Pilão é uma obra da fase realista do autor, retratando a história de diversos moradores do tal beco, no Cairo. Como se passa no final da segunda guerra mundial, as histórias são todas tristes e carregadas de ruptura com o passado do Egito, e com os problemas e dificuldades em se adaptar a uma "nova era". É interessante ver como os jovens buscam a modernidade e a mudança de vida e de status social, enquanto os mais velhos se agarram aos velhos costumes e quando pensam na atualidade é visando apenas o lucro nos seus negócios.

Tudo isso é muito interessante e muito bem trabalhado na narrativa de Mahfouz. Além disso, essa edição em específico tem um posfácio extremamente interessante, explicando alguma coisa sobre a obra do autor, sua importância na literatura árabe e esclarecendo alguns pontos que a tradução impede perceber (como o significado dos nomes em árabe e como Naguib brinca com isso para caracterizar seus personagens).

Porém, contudo, entretanto, todavia, não é o meu livro favorito dele. Acho que dessa vez, além é claro de ter lido outras obras do autor, o fato de ter lido outros livros de outras escritoras árabes me fez ver a forma como Mahfouz retrata suas personagens femininas com outros olhos. Confesso que dessa vez, ao ler as descrições delas fiquei com uma pulga atrás da orelha, como se de alguma forma, algo naquela descrição não me inspirasse tanta segurança ou verossimilhança com a realidade. E isso foi uma novidade na minha experiência com esse autor.

Fiquei com a sensação de que alguma forma que não sei precisar muito bem elas foram descritas com um pouco mais de liberdade e segurança do que teriam na realidade, como se a situação da mulher na sociedade egípcia estivesse de alguma forma amenizada ou omitida. Levando em consideração que o autor é homem isso é compreensível. Levando em consideração que ele era de esquerda e, portanto, provavelmente a favor do feminismo ou pelo menos de mais direitos para mulheres, eu confesso que esperava mais.

Mas talvez seja apenas uma forma de demonstrar que toda a limitação da situação feminina era vista pelos personagens (e talvez até pelo autor) como absolutamente normal, e portanto indigno de nota.

Mas fora essa questão, esse romance é muito carregado de drama e de discussões familiares, um pouco no estilo novela das 8, e confesso que isso também me deixou um pouco irritada. Talvez o excesso de discussões intermináveis e por motivos fúteis seja uma forma de retratar a realidade da época e do extrato social tratado no livro, mas não torna a leitura nada agradável. Se esse era o objetivo, Naguib acertou em cheio, pois a vida do beco aqui retratada é massante, repetitiva, cheia de brigas de vizinhos, pequenas e grandes tragédias e traições de todo tipo.

A falta de um personagem central também não ajuda, pois são muitas pequenas histórias para acompanhar e que se entrelaçam ao longo da narrativa. Temos a jovem Hamida, que só pensa em dinheiro e como subir de vida, sua mãe adotiva Umm Hamida, que também só quer saber de dinheiro e como tirar proveito dos casamentos que ajuda a arranjar, a Sra. Afifi, viúva e razoavelmente rica, que depois de anos sozinha resolve casar novamente, Helu, um jovem barbeiro ingênuo apaixonado por Hamida, seu melhor amigo Hussein, que só quer saber de sair do beco e viver no "mundo moderno", o pai de Hussei, Kircha, viciado em haxixe, dono do café do beco e com tendências sexuais pouco ortodoxas... ainda tem o padeiro e sua esposa, o companheiro de quarto de Helu, o dervixe que está sempre no bar, o dentista sem graduação, o malandro que vive de "criar mendigos", o dono da única empresa do beco e o grande homem espiritual a quem todos recorrem para conselhos. É muita gente! Parece novela mesmo!

Mas apesar disso tudo, é Naguib Mahfouz, e mesmo sem ser um dos seus melhores livros não pode ser classificado como ruim nem de longe.

Nota 8,5.