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domingo, 31 de outubro de 2021

Confissões de uma Irmã da Cinderela - Confessions of an Ugly Stepsister

 

SPOILER FREE

Para fechar o Desafio Literário Popoca de outubro, com o tema contos de fadas, resolvi finalmente pegar um outro livro do Gregory Maguire, famoso por Wicked, que ficou tão conhecido que transformaram num dos musicais de maior sucesso da Broadway. Tanto que quase virou filme, mas produziram aquele espanto que é Cats no lugar (pense numa aposta ruim!).

Wicked - versão original da Broadway

O lance do autor é reconstruir outras histórias clássicas, como ele fez tão brilhantemente com O Mágico de Oz em Wicked, mas ele tem uma preferência por contos de fadas. Caso você procure por sua bibliografia, vai perceber que ele já escreveu diversas adaptações dos mais variados contos supostamente infantis, mas, suas versões costumam ser bem mais, como dizer, adultas.

Lançado em português pela José Olympio, Confissões de uma Irmã da Cinderela traz uma versão um tanto quanto diferente da história tradicional, mas mantendo todos os principais traços do enredo original. Contada do ponto de vista da filha mais nova da madrasta, Gregory nos apresenta personagens bem mais humanos e, portanto, imperfeitos do que estamos acostumados. Iris é uma jovem que se considera totalmente sem graça, mas, fugindo com o resto da família da Inglaterra, se encontra numa cidade da Holanda onde oportunidades novas surgem. Sua mãe, Margareth, recém viúva, consegue um emprego no atelier de um famoso pintor da região, e ela e sua irmã Ruth se veem atraídas por uma das pessoas mais misteriosas da cidade, Clara, uma jovem de beleza tão incrível que seus pais a mantém presa em casa.

Com maestria, Gregory consegue criar uma história que leva essa situação até a do conto original, onde Clara se torna Cinderela, mas não exatamente a mesma que conhecemos, mas sim uma bem mais complexa e interessante, assim como suas meias-irmãs e madrasta. Sem fazer uso de realismo fantástico, o autor fia um enredo crível não só de acontecer, mas também de explicar porque o conto terminou contado da forma como é. E isso mantendo o leitor entretido e curioso ao mesmo tempo.

Considerando que Cinderela é um dos contos de fadas mais insossos que tem e com personagens tão preto e branco, o que o autor consegue fazer é quase um milagre, porque o resultado é uma história sensacional e cheia de personagens interessantes.

Assim como Wicked fez a passagem para outra mídia, Confissões de uma Irmã da Cinderela chegou a virar um filme da Disney, lançado direto para TV em 2002. Infelizmente o programa que ele fez parte é tão obscuro que hoje não está disponível em quase lugar nenhum, o que me impediu de assistir. O que é uma pena, adoraria ter visto Stockard Channing (uma das dias do filme Da Magia à Sedução) no papel de madrasta, tenho certeza que ela acertou em cheio na personagem.

Versão Disney do livro

Com toda a qualidade de Gregory Maguire, não entendo porque tão pouco de sua obra saiu em português, vale a pena ler o que tem disponível.

Nota 9.

domingo, 24 de outubro de 2021

Geekerela


SPOILER FREE

Continuando o Desafio Literário Popoca de outubro com o tema contos de fadas, resolvi ler algo mais leve, e acabei optando pela comédia romântica Geekerela, que saiu com o mesmo título em português pela editora Intrínseca.

Como o título já deixa claro, a autora americana Ashley Poston traz uma releitura moderna de Cinderela, com uma boa dose de nerdice, o que achei uma premissa interessante. Então somos apresentados a Elle, uma órfã que vive com a madrasta e duas irmãs, e que é fã de uma série de televisão chamada Starfield, que ela assistia quando criança com o seu pai, um nerd de carteirinha que é um dos criadores de uma Comicon na região onde ela mora.

A tal série agora vai virar filme, e para estrelar a nova versão da saga, escolhem um ator famoso de uma série adolescente, Darien, que Elle acredita que não tem conhecimento suficiente do fandom para interpretar o Príncipe Carmindor, sem saber que ele frequentava cons antes de ficar famoso.

A história de Elle e Darien é muito fofa, e a autora caprichou em detalhes como o food-truck abóbora mágica, onde Elle trabalha, toda a disputa de cosplay, o fandom... realmente o enredo é cheio de referências nerds, e os elementos de Cinderela estão todos lá.

Por outro lado, o enredo tem furos complicados. Todo o drama de Darien com o pai e com os fãs da série adolescente que ele estrelou e com Starfield não faz muito sentido. As decisões dos personagens que deveriam ter sido racionais são totalmente ilógicas, o que, confesso, me deu muita raiva ao ler.

Outra questão que me incomodou é que toda a relação de Elle com a madrasta e as irmãs é muito exagerada. Tudo bem que Cinderela é um conto de fadas exagerado, mas, numa versão moderna, que se passa no século XXI num lugar como os EUA, para mim, ficou um tanto quanto forçado. O enredo teria ganhado com um pouco mais de sutileza.

Enfim, o resultado é uma leitura mediana, que ajuda a passar o tempo, com uma ideia interessante e fofa, mas que poderia ter sido mais bem trabalhada.

Nota 7.

Snow, Glass, Apples


 

SPOILER FREE

Para o Desafio Literário Popoca de outubro, com o tema contos de fadas, resolvi pegar um autor que adoro, mas que faz um certo tempo que não leio, Neil Gaiman. Dessa vez, escolhi uma graphic novel lançada em 2019, Snow, Glass, Apples, que ainda não foi traduzida para o português, e que é baseada num conto do autor publicado em 1994.

Para a graphic novel, Gaiman se juntou à ilustradora Colleen Doran, com quem ele já havia trabalhado em Sandman e na adaptação de Deuses Americanos para quadrinhos, e que tem um histórico extenso de trabalhos com a Marvel e a DC. Com Snow, Glass, Apples eles ainda ganharam o prêmio Eisner de melhor adaptação, o Bram Stoker Superior Achievement in a Graphic Novel e o Ringo Award for Best Graphic Novel. E as razões deles terem ganhado os prêmios são bem visíveis.

Não só temos uma excelente releitura da Branca de Neve, no estilo sombrio de Neil Gaiman, com um jeito até mais adulto do que eu esperava para uma versão de um conto de fadas, mas Colleen fez um trabalho gráfico absolutamente brilhante. As ilustrações são de uma beleza ímpar, com uma pesquisa sobre o ilustrador irlandês Harry Clarke, que tem um estilo tipo Art Nouveau, o que deu à graphic novel um ar meio antigo que combinou muito bem com a narrativa.

Em Snow, Glass, Apples, Gaiman traz uma inversão de papeis para Branca de Neve, o que em 1994 não era comum, com um quê de sobrenatural. E a forma como ele vilaniza a protagonista é original, mas de uma forma que depois que você enxerga com os olhos dele, não tem mais como desver. Nunca mais vou conseguir olhar para Branca de Neve do mesmo jeito. E apesar da violência e das questões sexuais do enredo, Colleen conseguiu criar uma estética que valoriza o conjunto do enredo, ao invés de fazer um show de horrores, e mesmo assim o resultado não é infantil, o que me parece que era uma preocupação bastante justificada. Definitivamente o livro não é para crianças.

O resultado final é uma leitura belíssima, dinâmica e que deixa com um gostinho de quero mais, justamente porque ela é curtinha. Nem sempre curto as adaptações dos textos de Gaiman, porque muitas me parecem caça-níquel, mas Snow, Glass, Apples é tão bem feito que definitivamente é uma obra à parte e que se sustenta sozinha.

Nota 10.