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segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Respected Sir






SPOILER FREE

Para quem segue o meu blog há algum tempo já deve ter reparado que eu tenho uma queda pelo autor e prêmio Nobel do Egito Naguib Mahfouz. E sim, minha coleção de livros dele é bem grande, mas ainda está longe de cobrir toda a sua obra, que é imensa.

Como eu mencionei anteriormente, na resenha de The Voice of Egypt, em setembro eu precisava ler um livro sobre história de um derterminado período e um romance do mesmo período, e resolvi aproveitar para ler mais um livro do Naguib Mahfouz. Porque tudo é desculpa para ler esse grande mestre.

"Respected Sir" não é a obra prima do autor egípcio, mas isso não o torna menos interessante. O livro narra a história de um funcionário público egípcio nascido de uma camada baixa da população cairota que tem como grande sonho da sua vida virar Diretor Geral numa época que podemos estimar como uma das revoluções no Egito do século XX (antes de 70), e não deixa de ser uma alegoria muito interessante para a condição de qualquer ser humano com excesso de ambição. O livro retrata de forma magistral como alguém pode levar um objetivo na vida como algo próximo à devoção religiosa, e faz uma descrição extremamente real de diversos problemas e situações comuns na sociedade egípcia (e em outros lugares também! não vamos nos enganar).

Para quem curte o autor é um prato cheio, para quem gosta de ler sobre a sociedade egípcia também. Inclusive o ar desse livro me lembrou um pouco a sensação que tive ao ler Todos os nomes do Saramago, só que com mais ironia com relação ao aspecto religioso que as pessoas são capazes de colocar no seu dia a dia e nos seus objetivos de vida. Aliás, esses dois autores tem algumas características em comum interessantes, especialmente em alguns livros do escritor egípcio, onde Naguib tenta captar as motivações humanas por trás da sociedade onde ele viveu sem se ater à narrativa realista que o fez célebre com a Trilogia do Cairo. Fico muito triste quando vejo que tão pouca coisa dele foi traduzida para o português, sua riquíssima obra merece mais atenção. E quem tiver a oportunidade de ler mais desse autor nas traduções em inglês ou francês eu recomendo muitíssimo.

Nota 9,5.

Ender's Game



SPOILER FREE

Setembro está um mês apertado por causa do atraso com As Brumas de Avalon, mas estou conseguindo dar conta de todos os desafios literários! No desafio de clássicos, setembro tinha como tema um clássico do século XX, e como fazia um certo tempo que eu queria ler "Ender's Game" (afinal eu já vi o filme mas ainda não tinha lido o livro) resolvi que era uma ótima oportunidade.

Uma amiga minha comentou comigo que achou o livro datado, e talvez ela tenha mesmo razão com relação a algumas tecnologias mencionadas, mas na minha opinião isso não influencia na qualidade da história sendo contada. O livro é daqueles que depois de um certo ponto você não consegue mais parar de ler, dá um comichão e você vai lendo de forma ensandecida até terminar o último capítulo.

A história é muito legal, e as descrições dos jogos são sensacionais, o filme não faz jus ao livro nesse sentido. Aliás, o filme deixa muito a desejar em diversos aspectos, para variar o livro é muito melhor. E olha que o livro é bom mas não é essa Brastemp toda não.

Como livro de ficção científica (na minha humilde opinião de não tão fã assim do gênero) eu achei o livro muito legal, a trama é bem interessante e instigante, mas tem alguns problemas quando você para para analisar um pouco melhor alguns aspectos narrativos. Não chega a ser problemático, mas Ender e seus irmãos são retratados como tão geniais que às vezes você fica se perguntando como eles foram enrolados de alguma forma. Tudo bem que são crianças e isso é o que torna a coisa toda passável, mas talvez se o gênio deles não fosse tão exagerado eu tivesse tido essa sensação de estranhamento. Definitivamente não é um ponto que estrague o livro ou a história, mas faz a diferença entre um bom livro e um livro excelente.

Inclusive essa é a minha maior impressão com o primeiro livro da série do Ender, é bom, mas não é excelente. É cativante, é divertido e extremamente viciante, mas você fica com a sensação de que ficou faltando alguma coisa para ficar sensacional, quando ele tinha o potencial para chegar lá.

A série toda tem 5 livros, e "Ender's Game" é só o primeiro! Mas bem poderia ser um romance sozinho, porque o final é bem claro e sem ganchos daqueles que fazer você querer matar o autor ou ler o próximo livro em seguida. Tanto que se você quiser parar por aí me parece muito tranquilo. Por enquanto vou me aventurar por outras leituras, mas um dia pretendo voltar ao mundo do Ender e continuar acompanhando a sua história.

Nota 9.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

The Voice of Egypt




Então, em setembro, num dos meus desafios literários, eu preciso ler um livro histórico e um romance da mesma época. Como quase tudo que tenho de história é sobre o mundo árabe, resolvi ler um estudo sobre a vida e a obra da maior cantora egípcia de todos os tempo: Umm Kulthum. Para acompanhar, no momento estou lendo uma das obras do prêmio Nobel Naguib Mahfouz, também egípcio.

Nesse volume sobre a Quarta Pirâmide (só um dos epítetos de Umm Kulthum), a estudiosa de etnologia musical Virginia Danielson (que tem outros livros sobre a música árabe já publicados), faz um estudo sobre a vida e a obra da cantora, para tentar determinar o que a levou a ter o seu sucesso astronômico e como ela conseguiu manter o seu sucesso mesmo décadas depois da sua morte em 1975.

Como foi pedido especificamente para mim sobre esse livro por diversas bailarinas de dança do ventre, vou fazer uma resenha "with spoiler".

Então, o livro narra com alguma profundidade a biografia da grande Diva Egípcia, mas tenta se ater mais ao lado criativo e do seu estilo musical do que à parte pessoal da vida de Umm Kulthum. Claro que em diversos momentos as duas coisas se entrelaçam, e diversas anedotas (algumas extremamente divertidas) estão incluídas no livro. O mais interessante é que mesmo essas anedotas possuem referência bibliográfica, porque afinal de contas o livro é uma obra acadêmica.

Algum conhecimento de música é interessante para aproveitar o livro em sua totalidade, e em diversas passagens confesso que fiquei desejando conhecer mais teoria musical para compreender o que a autora queria dizer. Mas não achei que minha limitação me fizesse apreciar menos a leitura, pelo contrário, me deixou com vontade de estudar mais música para poder ler o livro novamente.

Isso porque a história de Umm Kulthum perpassa diversas décadas da história do próprio Egito e também da música árabe. Hoje é impossível falar de música árabe sem mencionar a cantora e o seu peso e grandeza. Tamanha é a sua importância que durante décadas algumas das críticas voltadas a ela eram pautadas justamente no excesso de visibilidade que ela tinha, pois parecia que não tocava mais nada além de Umm Kulthum nas rádios. E o rádio foi, durante a maior parte do século XX, o meio de comunicação mais importante do Egito e de diversos países árabes, e ela dominava a programação.

Mas não só de talento musical vivia a Quarta Pirâmide, ela era muito boa no mundo dos negócios também. Seus contratos com as gravadoras e as rádios eram os melhores possíveis para ela, com margens de participação nos lucros e com o maior cachê do Egito (e do mundo árabe), desde a virada da década de 20 para 30 até a sua morte nos anos 60. Seus contratos eram de tal forma que se alguém pedisse um cachê maior o dela deveria subir imediatamente para o mesmo patamar. E sua influência foi tal que ela foi presidente do Sindicato dos Músicos por anos (algo simplesmente impressionante para uma mulher no Egito) desde a sua instituição, e através da sua proximidade com o governo ela ainda tinha um passaporte diplomático, além de participar das formulação das diretrizes para o Ministério da Cultura.

Seus concertos duravam horas e além de serem sempre lotados, ainda por cima eram transmitidos, primeiro pelo rádio e depois pela televisão. Ela foi um dos últimos cantores no mundo árabe a trabalharem nesse estilo tradicional, onde a maioria dos músicos não tinham as músicas anotadas em partituras, mas sabiam tudo de cor e improvisavam em cima, de acordo com as repetições que a cantora fazia de cada linha da música. E Umm Kulthum sabia se comunicar com o seu público, escolhendo não só as músicas que iria cantar de acordo com o humor da sua audiência, mas também repetindo as estrofes de acordo com os pedidos feitos na hora. Dessa forma, cada concerto era absolutamente único e inimitável, e tanto a cantora e sua orquestra quanto o público participava na "criação musical" daquela noite, onde cada música podia durar entre 45 minutos a 1 hora em meia.

Mas como ela atingiu todo esse sucesso?

A conclusão que o livro nos mostra é que Umm Kulthum, por ter tido uma educação (informal) melhor do que a média com o seu pai que era sheique, e por isso sabia recitar muito bem o Corão, teve de cara um recebimento diferenciado quanto chegou desconhecida no Cairo, tanto pelas elites quanto pelas camadas mais pobres da população, de onde ela própria veio. Ela não só tinha uma voz e um talento musical invejáveis, mas ela ascendeu pela sua própria perseverança e estudo, se tornando uma mulher considerada extremamente culta. E isso sem perder o contato com as suas raízes humildes, se mostrando um exemplo de mulher egípcia recatada e religiosa, mas ao mesmo tempo, com o contato com as elites, ela também aprendeu a ser refinada e elegante. Dessa forma, ela conseguiu personalizar um sonho coletivo de ascensão social, sem perder o contato com as tradições egípcias, mas também com um refinamento e peso intelectual que agradavam as camadas abastadas.
Quando o Egito deixou de ser um protetorado britânico e uma monarquia, ela soube se posicionar de forma a manter a aura de egípcia vinda do interior, com capacidade intelectual e talento musical que continuava a agradar tanto o povo quanto a nova elite militar.

Então, Umm Kulthum recebeu descrições como: ela era boa porque sabia recitar o Corão; porque ela cantava à moda tradicional árabe; porque ela sabia inovar e mesmo assim manter a raiz da música como árabe, e mais especificamente egípcia. Mas isso tudo aliado a uma eficiência impressionante para se manter sempre atualizada e no topo financeiramente e dentro da indústria musical como um todo.

Mas claro, a Diva tinha os seus defeitos e manias. Os letristas e compositores que trabalhavam com ela sofriam com suas inúmeras exigências e solicitações de modificações, além de um pagamento que deixava a desejar quando comparado com o que ela ganhava. E desde cedo ela começou a ter problemas de saúde, que a afligiram por toda a sua vida. As fortes luzes dos estúdios de cinema (ela chegou a atuar em diversos filmes) a deixaram com os olhos fragilizados, e por isso ela estava sempre de óculos escuros. Além disso ela tinha problemas graves no fígado, bexiga e pâncreas, que em diversos momentos atrapalharam a sua carreira e por fim a levaram à morte.

Quando ela faleceu, ela já tinha se tornado um ícone tão importante que sua internação foi acompanhada pela televisão, pelos rádios e pelos jornais quase que 24 horas. E o seu enterro foi um acontecimento maior do que o enterro do grande político Nasser, seu caixão após a liturgia foi tomado pela multidão e carregado por 3 horas pelo Cairo até a sua mesquita favorita, onde finalmente o Imã local conseguiu convencer a turba a levá-la para o seu local final de descanso.

Mesmo 40 anos depois da sua morte, ela continua uma presença fortíssima na cultura e na música árabes, e ainda pode ser escutada nas rádios e nos cafés egípcios. Realmente ela merece ser chamada de A Quarta Pirâmide.

Nota 10.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

As Brumas de Avalon - 4 volumes



SPOILER FREE

Então, pela primeira vez esse ano estou super atrasada, isso porque inventei de ler mais um brutamontes: As Brumas de Avalon (a série completa de 4 livros, é claro, senão não tinha graça). E óbvio que eu dei "sorte" de tirar férias justamente nesse período, e meu tempo para ler simplesmente desapareceu e por isso demorei muito, mas muito mais do que o previsto lendo o volume único da série que eu tenho para kindle (graças a deus! imagina carregar o bruto no muque?).

Fiz essa escolha porque em agosto o tema de um dos Desafios Literários que estou seguindo era uma releitura (li essa série aos 15 anos, então faz muito mas muito tempo que eu li), de outro desafio o tema era uma aventura e de outro um clássico de aventura. E como considero que todas as versões da história do Rei Arthur são aventuras e As Brumas é um clássico, os 4 volumes da série estavam contando para todos os desafios (inclusive para o quarto desafio, que é ler 52 livros no ano - com esses cheguei a 46 segundo a contagem aproximada do Goodreads). Os livros que compõe a série conhecida como "As Brumas de Avalon" são: "A Senhora da Magia", "A Grande Rainha", "O Gamo-Rei" e "O Prisioneiro da Árvore", no total são aproximadamente mil páginas. Ah, sim, e caso alguém ainda não saiba, "As Brumas de Avalon" conta a história do Rei Arthur e sua corte, mas o seu diferencial é que ela é contada a partir do ponto de vista das mulheres presentes na história, além de focar na mudança religiosa do paganismo celta-druida para o cristianismo. Por isso, às vezes, a série é considerada feminista.

Mas indo para a análise do conteúdo dos livros, fazia muito tempo que eu não relia algo, e a experiência de ler novamente "As Brumas" foi muito especial. Lembro nitidamente da sensação de ler os livros pela primeira vez, do fascínio que senti e de como foi importante essas leituras para mim na época. Reler o texto hoje foi muito interessante, os livros continuam maravilhosos, e a história é tão cativante quanto eu me lembrava, mas depois de mais de 15 anos a minha forma de ver o mundo e os temas tratados pela autora, em especial o paganismo, é bem diferente, por isso a forma como li os pormenores da história foi completamente diversa da primeira leitura, e eu pude ser bem mais crítica do que quando era adolescente e pouco sabia dos assuntos ligados à Wicca.

Achei interessante confirmar algumas impressões bem fortes acerca de alguns personagens do livro, como a Guinevere ser uma chata, o Mordred um fdp e o Arthur meio bundão, mas, em compensação, na minha memória a Morgana era espetacular, e na releitura já não a achei tão especial assim. Confesso que em alguns momentos fiquei sem paciência com alguns personagens e achei que algumas situações foram alongadas talvez um pouco demais da conta ao longo das obras, mas no final a leitura continuou agradável. E eu continuo indicando os livros para qualquer um que se interesse pelas lendas arthurianas e por paganismo. Só não indico como fonte histórica de nada, pois além da mitologia arthuriana, que obviamente é apenas um mito, tem gente que acredita que a parte sobre o paganismo e a forma de culto da deusa e dos druidas e a relação das mulheres na sociedade na época (século V d.C. para os distraídos) esteja bem descrita nesse livro, e infelizmente isso não é verdade.

Outra coisa que achei interessante foi ver que alguns personagens presentes na Trilogia do Rei Arthur do autor Bernard Cornwell também estão presentes aqui, mas eu simplesmente não me lembrava deles nas Brumas de Avalon, talvez seja uma questão de importância que cada autor tenha dado para eles, talvez minha memória é que tenha falhado. De qualquer forma, achei interessante ver esses personagens sendo descritos de formas tão diversas, mas ainda assim mantendo a linha central do mito arthuriano. Agora fiquei com vontade de reler a obra do historiador inglês e fazer uma comparação mais rica entre os pontos de vista de cada autor. Quem sabe, se der tempo nos próximos meses de Desafios Literários? Dezembro é um mês de tema livre!

Nota 9,5 para a série, porque como li um volume único, fica um pouco complicado de dar notas separadas para cada livro.