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segunda-feira, 8 de junho de 2015

Choreographic Politics



SPOILER FREE

Então, como vocês sabem eu também sou bailarina, então de vez em quando eu leio uns livros bem técnicos relacionados à dança, em especial à dança do ventre, e esse aqui foi um achado que eu fiz há alguns anos na Amazon (sempre na Amazon...). Anthony Shay é bailarino e coreógrafo, e um grande estudioso da dança (ele tem outros livros na minha lista de leituras que também prometem), e de vez em quando ele lança algum livro imperdível com algum estudo absolutamente inédito na área.

"Choreographic Politics" é um desses livros. Nele, Anthony traz uma grande análise de companhias de danças folclóricas de diversos países, entre eles: URSS (isso mesmo, a união soviética), México, Turquia, Grécia, Irã (antes da revolução, claro) e, o grande motivo de eu ter comprado o livro, Egito.

A análise gira em torno da representatividade real dessas companhias com relação ao país que elas se dispõe a representar, não só com relação a totalidade ou não das etnias e estilos cobertos nas suas apresentações, mas também na verossimilhança do que é apresentado em palco com o que se encontra sendo dançado entre a população.

O ponto é que essas companhias acabam sendo uma representação gráfica da imagem que os seus governos querem passar do ideal que eles querem que seja a sua cultura, e acabam sendo um instrumento não só de propaganda externa, já que elas fazem turnês por todo o mundo, mas também podem ser utilizadas para moldar a forma como o seu próprio povo vê o seu país e trabalhar até mesmo um ideal de nacionalismo e o que significa pertencer a uma determinada nacionalidade. Bem complexo, não é mesmo?

Para tentar entender isso tudo, o autor se dispõe a mostrar, caso a caso, como a situação sócio-econômico-política de cada país teve uma relação direta com a forma como cada uma das companhias de dança analisadas realizou o seu trabalho, montou as suas coreografias, criou o seu corpo de baile, conseguiu ou não apoio do estado ou da população, e como elas influenciaram umas às outras em suas turnês internacionais. Um trabalho monumental e monstruoso em sua grandiosidade e tempo depreendido, e que Shay realiza com maestria.

Para quem quer apenas saber as curiosidades: Shay demonstra que boa parte do que chamamos dança russa é pura invenção, e nada tem de folclore de raiz. O México tem problemas sérios de identidade cultural, com uma briga de representatividade entre indígenas e descendentes de espanhóis, cuja herança cultural é muito mais celebrada e considerada de alto nível (semelhanças com o Brasil? hum...). A Turquia praticamente fabricou do nada o que significa ser turco, e nesse processo as danças foram muito utilizadas. A Grécia baniu do seu folclore tudo aquilo que pudesse ser remotamente conectado ao seu passado de dominação turco-otomana, e no processo não só ignora folclores com essa origem que realmente existem, como também aumentou a hostilidade para com sua população de origem muçulmana. Aliás, Grécia e Turquia tem um passado negro com relação a minorias que ambos tentam fingir que nunca existiu, mas vamos pular isso.

E, finalmente, o Egito. É tão bom ver um trabalho bem feito e bem fundamentado sobre o folclore egípcio... e melhor ainda, que fale com todas as letrinhas o que a muita gente no meio da dança do ventre prefere não falar, que a maioria dos folclores apresentados pelo Mahmoud Reda, o grande coreógrafo egípcio que todo o mundo usa como base para estudo, é inventada e nada tem a ver com o que os egípcios realmente dançam. Aliás, o Egito, assim como outros países árabes, tem um relacionamento meio complicado com a dança, uma coisa de amor e ódio que a gente, hoje, tem dificuldade de entender. E como estudar a história é importante para entender não só esse relacionamento, mas também o porquê de algumas coisas na própria dança. O que faz sentido, pois a cultura é um reflexo da história também.

Me fartei com o livro. Bom demais. Para quem curte geopolítica, relação entre política e cultura e dança, é um prato cheio.

Nota 10.

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