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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Antéchrista

SPOILER FREE

Amelie Nothomb é uma escritora estranha, que traz sentimentos no mínimo esquisitos para quem a lê. Às vezes você sente até mesmo repulsa lendo seus contos absurdos, outras vezes pena, outras vezes você acha engraçado aquele absurdo todo. Não importa o que você sente, você sempre vai sentir alguma coisa, pois ninguém fica indiferente a essa escritora belga nascida no Japão (com essa mistura de culturas não tinha como ser normal, né?).

Eu sou fã dela, se ainda não deu para perceber, e sou daquelas fãs que tem os livros tanto no original quanto traduzidos, só pelo prazer de ler em mais de uma língua. Como os livros dela em português são razoavelmente raros, aproveitei minha viagem a França para trazer tudo que eu ainda não tinha dela e que encontrei pela frente. Como ela escreve muito, voltei com muitos livros. E, obviamente, ainda não li todos, pois minha pilha de livros para ler é gigante, e só cresce, apesar do meu ritmo alucinado de leitura.

Mas estou evitando o assunto desse post. Vou confessar o porquê: não gostei do livro. O estilo é bem característico da autora, o tema também, mas dessa vez eu não gostei do tema central do livro. Achei um pouco adolescente demais para o meu gosto. O livro é bom, não entendam mal, mas não caiu nas minhas graças. Sabe como é?

A única coisa que eu ADOREI no livro foi o final. Achei incrível. AMEI. Valeu a pena a leitura quase forçada só para ler esse desfecho. Depois de toda aquela enrolação aborrecente, toda aquela insegurança bizarra, cenas absurdas que só a autora sabe fazer, o final foi realmente digno do estilo Amelie Nothomb. Fiquei horas imaginando aquela cena na minha cabeça e rindo enlouquecidamente.

Nota 7, só por causa do final.

PS: o livro já foi lançado em português, com o título Anticrista

domingo, 21 de novembro de 2010

Contos marroquinos modernos e Primavera dos Livros

SPOILER FREE

Bom, para falar desse livro, preciso dar uma volta... eu ganhei um exemplar da minha mãe, que o comprou na feira Primavera dos Livros, que aconteceu há pouco mais de um mês no Palácio do Catete.

Ela ainda me deu um monte de panfletos da feira e da editora, dizendo que a feira era maravilhosa e que eu não podia perder etc etc etc. Em suma, acabei indo na feira, com apenas 1 hora para visitá-la, pois tinha outro compromisso depois (que nem me lembro mais qual era).

Achei a feira muito boa, bem organizada, as editoras eram realmente menores e muitas trabalhavam com títulos bem alternativos. Obviamente saí de lá com quase meia dúzia de livros (em 1 hora de feira! Imagine se tivesse ficado mais...), e uma impressão chata da editora do Contos Marroquinos. Os panfletos da editora prometiam uma editora voltada a obras árabes, com vários títulos diferentes e/ou exclusivos. O único livro interessante dela era o que minha mãe tinha me dado. Sério. Tinha também um dicionário português-árabe e um outro livro de contos de um autor brasileiro(!). E era basicamente isso. Fiquei decepcionada.

Achei muito mais títulos árabes em outra editora (a que edita hoje os livros do Atiq Rahimi).

Mas agora vamos ao livro, que resolvi ler agora só porque estou atrasada com minha meta anual (ele é bem fininho). Bom, para não ser injusta, obviamente que a temática me interessa muitíssimo, já que adoro a literatura árabe (como vocês já devem ter percebido).

O livro realmente é moderno, com contos em estruturas bem modernas e temática social, com ênfase na miséria e sentimento de invasão estrangeira no Marrocos, o que por si só torna o livro muito interessante. Cada autor tem apenas um conto publicado no livro, e cada um tem um estilo bem particular,o que deixa a leitura bem variada, além de mostrar o pluralismo dos escritores marroquinos.

Particularmente, gostei muito do primeiro conto, História da cabeça decepada, e dos contos O guardião do museu e O louco das rosas. Para mim são os melhores do livro. Outros, como Sete sinos para o tempo das laranjas, são um pouco surreais ou, se preferir, modernos demais para o meu gosto.

Em outras palavras, o livro tem seus altos e baixos, mas é uma oportunidade para quem quer ver como a literatura anda no Marrocos, já que temos tão pouco acesso a ela. Vale a pena a leitura.

Nota 8

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Comme un roman

SPOILER FREE

Esse foi um livro indicado por um amigo meu, que está estudando francês e que lê o meu blog (imagino eu, pelo comentário que ele fez). Ele me disse que era um tipo de leitura que me agradaria. E ele acertou em cheio!

O livro já foi lançado em português também, com o título "Como um romance" (bem óbvio, não?), e trata de uma temática muito parecida com outro livro que já li esse ano, Como falar dos livros que não lemos. Só que o viés aqui é de como fomentar a leitura para quem não gosta de ler, ou tem preconceito, e faz uma crítica ferina à forma como a literatura é tratada pelo sistema de ensino tradicional (inclusive aqui no Brasil). Além disso, ele também briga com o "dogma" de que "é preciso ler" e menciona alguns direitos inalienáveis aos leitores.

Em certas partes o livro parece até uma espécie de auto-ajuda para os pais que querem estimular os seus filhos a ler, o que não deixa de ser interessante, com muitas pitadas de histórias verídicas interessantes de professores que atingiram esse objetivo.

Uma coisa que me tocou no meu processo de leitura é que eu pude me identificar com as idéias do autor, pois aquilo que ele sugere que pais façam, meu pai fez comigo. O que não deixa de ser curioso e engraçado, pois ele nunca foi um leitor ávido, mas eu acabei uma leitora compulsiva, provavelmente por culpa dele (tão bom botar a culpa nos outros, né?).

Além de toda a parte de auto-ajuda, o livro ainda analisa os direitos do leitor (a melhor parte do livro na minha opinião), e que faço questão de colocar aqui (não é spoiler, estão na contracapa do livro!):

- Le droit de ne pas lire - O direito de não ler. Simples e direto, não?
- Le droit de sauter des pages - O direito de pular páginas. Atire a primeira pedra quem nunca fez isso. Pensando bem, atire não, é um direito mesmo. Inegável. Inegociável.
- Le droit de ne pas finir un livre - O direito de não terminar um livro. Bom, depois do direito de pular páginas, não tem como não chegar nesse direito, né?
- Le droit de relire - O direito de reler.
- Le droit de lire n'importe quoi - O direito de ler qualquer coisa. Até bula de remédio? Por que não? Tem gosto pra tudo, até Paulo Coelho tem uma legião de fãs. Lembrando que gostar de algo não faz daquilo algo bom, nem desgostar faz ser ruim.
- Le droit au bovarysme (maladie textuellement transmissible) - O direito ao bovarismo (doença textualmente transmissível). Aqui é preciso explicar um pouco, ele remete ao romance Madame Bovary, de Flaubert, mais especificamente à inocência da personagem principal, que busca apenas satisfazer os seus sentidos/vontades. Em outras palavras, é aquele frisson adolescente pelo qual todos passamos, e que Crepúsculo exemplifica tão bem hoje. Em outras palavras, não cuspa no prato que comeu, todos passam por essa fase, com ou sem livros.
- Le droit de lire n'importe où - O direito de ler em qualquer lugar. Eu pessoalmente adoro ler no metrô. Acho que os chefes são os únicos que não concordam com esse direito. Mas eles não precisam saber de tudo, não é mesmo?
- Le droit de grappiller - O direito de ler "aleatoriamente". Se você gosta de abrir um livro em qualquer página e ler a primeira frase que saltar aos olhos, esse é o seu direito.- Le droit de lire à haute voix - O direito de ler em voz alta. Os contadores de histórias são quase uma prova viva desse direito. E tem algumas coisas que só ficam bem lidas em voz alta, como algumas poesias. Precisa mesmo explicar?
- Le droit de nous taire - O direito de nos calarmos. Ninguém é obrigado a falar sobre o que leu, o seu relacionamento com um livro é bastante íntimo, você só fala sobre ele se quiser, como a maluca aqui.


Nota 9 (porque apesar de ter me identificado, não gosto de auto-ajuda)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

O ladrão e os cães

SPOILER FREE

Esse foi um livro que me chocou. Primeiro porque eu não estava exatamente no clima de ler algo no seu estilo, segundo porque não tem nada a ver com o estilo do autor, ou, pelo menos, com nada do que já havia lido dele (Noites das mil e uma noites e Akhenaton, o rei herege).

De certa forma fiquei muito impressionada com a versatilidade de Mahfouz, e depois pelo realismo da narrativa, muito diferente do que se costuma ver nos contos e romances árabes que eu tinha lido até então, onde sempre houve espaço para a "mitologia" típica árabe ou pelo menos alguma forma de interferência sobrenatural.

O ladrão e os cães é um livro pesado por seu conteúdo, focado nas piores características do ser humano e com uma história bem trágica, mas ao mesmo tempo é fácil de ler, com uma narrativa muito direta ao ponto. Destaques para a forma como os pensamentos do personagem são mostrados, fazendo com que você se sinta dentro da sua cabeça, e para o final fantástico do livro. Para mim, o final rivaliza com o estilo de Bernard Cornwell, só que é ainda mais rico.

Enfim, mesmo com o choque inicial, foi um livro que conseguiu me ganhar, me fazendo mudar de idéia, em menos de 100 páginas, o que é um feito e tanto.

Fico muito triste quando penso que o autor já se foi... mas pelo menos ainda tem muita coisa para ler dele! Mal posso esperar para pegar a sua Trilogia do Cairo!

Nota 9,5


Para maiores detalhes do autor e sua obra, vejam aqui.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Leite derramado

SPOILER FREE

Esse foi meu primeiro livro do Chico Buarque. Obviamente que eu já era fã da sua faceta de compositor, mas nunca tinha lido nada dele (nem as peças, que também nunca assisti).

Confesso que gostei, e superou minhas expectativas. E, na verdade, me lembrou de um outro livro do qual eu gosto muito, A metafísica dos tubos, da Amelie Nothomb, por sua capacidade de encarnar uma idade, uma faixa etária, pouco ouvida. Enquanto na Metafísica se trata de uma criança de 3 anos, no caso de Leite derramado, se trata de um centenário, com todos os cacoetes típicos de alguém dessa idade. Era quase como ouvir minha avó contando a história dela.

Só que Chico não se contentou em apenas encarnar perfeitamente o personagem, ele ainda fez o retrato de uma geração, tecendo, ainda por cima, críticas sobre as gerações seguintes! Sério, dá pra ver a história do Brasil e do Rio de Janeiro na narrativa.

Talvez ele tenha exagerado um pouco nos clichês, mas talvez tenha sido essa mesma a intenção, pois cai muito bem na obra. Só não é muito divertido de ler caso você esteja com algum familiar no hospital, pois tem referências reais não muito saudáveis sobre o assunto.

Uma coisa que me deixou um pouco frustrada é que, como se trata de um velhinho contando a história, tem diversos buracos que simplesmente não são preenchidos. Ele não conta o que aconteceu! Talvez porque não saiba realmente (estamos lidando com um narrador-personagem), talvez porque não lembre, ou talvez porque para ele não é importante. Mas fica aquela curiosidade coçando! O que realmente aconteceu? Dá um nervoso...

Para quem curte Chico e literatura brasileira é um ótimo pedido.

Nota 9

Versos satânicos

SPOILER FREE

Finalmente!

Nem acredito que terminei esse livro! Em compensação, logo depois de terminá-lo, li quase correndo mais 3 livros... preciso correr atrás da minha meta anual! Estou atrasada!

Mas agora falando do livro:
Salman Rushdie é doente, ponto, não há o que discutir. Dá para entender perfeitamente porque colocaram a cabeça dele a prêmio. Mas também não tinha como esperar nada muito diferente de alguém que cresceu numa sociedade que mistura islamismo e hinduísmo, ele nunca teve chance de ser normal.

Resolvi ler esse livro porque tenho lembranças maravilhosas de uma outra obra dele, voltada para o público infanto-juvenil, Haroun e o mar de histórias. Depois, esse romance é tido como uma das suas grandes obras, além de ter lhe rendido a ameaça de morte do aiotalá, o que é, no mínimo, muito intrigante, tornando a leitura do livro quase obrigatória!

Eu só não esperava que ele fosse tão longo e de difícil digestão. São quase 600 páginas na versão de bolso da Companhia da Letras, num estilo muito diferente, que é um pouco complicado de início, mas depois se acostuma. O primeiro capítulo para mim foi muito difícil. Achei tudo muito enrolado, os nomes indianos se confundiam na minha cabeça, e a história era tão doida, mas tão doida, que fiquei me perguntando se eu tinha entendido certo. É só doido e inusitado mesmo, nada realmente complicado.

O livro conta não só uma história principal, recheada de rancores com a sociedade moderna, com o tratamento dos imigrantes na Inglaterra, a indústria do entretenimento e demais mágoas que presumo serem do autor, mas inclui diversas histórias paralelas, que se misturam e influenciam a narrativa principal (destaque de honra para a história da menina das borboletas, que é fantástica), formando uma grande colcha de retalhos, onde o que é real, fantástico ou fantasioso se misturam, mas não deixam de fazer sentido.

Isso tudo torna a sua leitura pesada, mas vale a pena! Os questionamentos do autor com relação ao que é "bom" ou "ruim", de "deus" ou do "diabo", são muito pertinentes, colocando tudo como uma gama de tons de cinza, mas jamais preto ou branco. O papel dos humanos como instrumentos divinos é muito questionado (imagino que venha principalmente desse ponto a ameaça de morte) e colocado sobre outros ângulos menos nobres.

Enfim, é um romance que não só entretém, mas também faz pensar, sem abrir mão da fantasia típica dos contos orientais. Tudo isso com o estilo muito próprio do autor.

Nota 9,5 porque achei um pouco cansativo, apesar de valer a pena o esforço.