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domingo, 3 de novembro de 2019

Becos da memória



SPOILER FREE

Conceição Evaristo é uma escritora e poetisa mineira que deveria estar num pedestal na literatura brasileira há mais de 30 anos. Porém, como ela é negra, nascida e criada numa favela, ex-empregada doméstica, sua história no mercado editorial é um retrato do racismo no Brasil.

Becos da Memória, por exemplo, foi finalizado em 1986, e é um dos livros mais maravilhosos que já li na literatura nacional. Mas, ele só foi publicado pela primeira vez em 2006. E não há a menor razão para isso, visto a grandeza e a força do texto de Conceição Evaristo.

O livro conta a história de diversos personagens que vivem numa favela que vai ser removida, e as histórias são contadas do ponto de vista de Maria Nova, uma menina que é a única da favela a chegar no 2º grau, apesar de atrasada. Maria Nova gosta de ouvir histórias, então ela conversa com vários vizinhos e amigos para ouvir suas memórias, quanto mais triste a história, mais ela gosta. Então Becos é exatamente o que promete, uma colcha de retalhos de diversas pequenas histórias-memórias, que lembram mais becos do que ruas, pois, como os removidos na favela, as personagens não têm muito para onde ir.

Becos é um retrato da pobreza na cidade grande, uma cidade típica brasileira, com a favela colada no bairro rico. E Maria Nova, com suas aulas na escola, começa a perceber a relação entre as histórias reais da favela e as histórias da escravidão da aula de História. E Becos também é um livro de memórias, pois é baseado, sim, na infância da autora. Como a própria Conceição escreve no prefácio: 
Tenho dito que Becos da memória é uma criação que pode ser lida como ficções da memória. E, como a memória esquece, surge a necessidade da invenção.
As personagens de Becos são imemoriais, são personagens maiores que suas histórias, são ícones da da pobreza brasileira, e Conceição Evaristo faz com elas uma obra de enorme poder e beleza literária. É uma afronta um texto tão maravilhoso ter demorado tanto para ser publicado, quem perde não é a autora, são os leitores. Ainda bem que o erro foi corrigido e já temos até edição comemorativa de 10 anos. 

Agora é correr para ler ainda mais obras da autora.

Nota 10.

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