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terça-feira, 22 de setembro de 2020

Casa de Alvenaria: Diário de uma ex-favelada


 

SPOILER FREE

E chegou a primavera! Nada como comemorar com uma resenha para o Desafio Literário Popoca de setembro, cujo tema é uma obra que se passe na sua cidade ou país!

Já faz algum tempo que a importante autora negra brasileira Carolina Maria de Jesus ronda minhas listas de leituras a fazer, porém, sua obra não é fácil de encontrar em livro digital. Esse ano finalmente consegui comprar seu segundo livro estilo autobiografia, Casa de Alvenaria.

Carolina não deveria precisar de apresentações, mas sabemos como essas coisas são no Brasil. Nascida em 1914 no interior de Minas Gerais, de pais analfabetos, Carolina foi ainda jovem para São Paulo em busca de melhores condições de vida, e acabou morando numa favela, que hoje já não existe mais. Para sobreviver, a autora trabalhou como empregada doméstica e catadora de papel, sustentando sozinha seus três filhos. Ela mesma construiu o seu barraco na favela, e nas horas vagas escrevia um diário sobre como vivia na miséria. Descoberta pelo jornalista Audálio Dantas em 58, seu primeiro livro, Quarto de Despejo, foi lançado em 1960 e desde o seu lançamento vendeu mais de um milhão de exemplares no Brasil e no exterior, sendo traduzido para 13 idiomas em mais de 40 países.

Durante muito tempo ela foi uma das autoras brasileiras mais famosas fora do país, e hoje é considerada uma das autoras mais importantes da literatura brasileira, em especial da literatura negra.Depois de Quarto de Despejo, Carolina começou a escrever outro diário, onde registrou os problemas pelos quais passou quando se tornou famosa. Esse livro é Casa de Alvenaria. E que livro!

Sendo meu primeiro volume da autora não tenho como comparar com sua obra mais famosa, mas posso dizer que Casa de Alvenaria é um dos melhores livros que li esse ano. O estilo de Carolina Maria de Jesus é singular, considerando que apesar dela ter estudado por apenas dois anos quando criança, quando aprendeu a ler e a escrever, ela sempre foi apaixonada por livros e leu de tudo que conseguiu colocar as mãos. Soma-se a isso uma forma de pensar e de analisar a vida e o cotidiano com uma singeleza ímpar, porém muito realista e sem papas na língua, e você tem esse resultado único e absolutamente incrível.

Casa de Alvenaria é um diário muito interessante, que tem um retrato impressionante do início dos anos 60 de São Paulo, com direito às anedotas fantásticas da vida da autora, incluindo aos lançamentos, autógrafos, jantares em sua homenagem e a adaptação do seu livro em peça de teatro. Além disso, a autora incluiu seus pensamentos sobre política, economia, pessoas famosas que teve oportunidade de encontrar (e são muitas), racismo e também sobre os inúmeros pedidos de ajuda financeira que passou a receber.

Os dois últimos itens foram os que mais me fascinaram no texto de Carolina. Seu retrato da forma como o tratamento que recebia mudou de uma hora para a outra, como a olhavam como se fosse um animal exótico e como seus filhos eram tratados faz um contraste imenso com sua afirmação de que não existe racismo no Brasil, o que ela repete inúmeras vezes ao longo do texto. A maneira como seus antigos vizinhos de favela passaram a tratá-la, além de como ela passou a ser recebida em lugares que jamais imaginaria poder entrar também atestam sobre a luta de classes e a natureza humana.

Seu diário é fascinante não apenas por seu estilo maravilhoso, mas porque Carolina Maria de Jesus tem uma mente afiada para observar o que a cerca e tirar conclusões. Seu lugar no panteão da literatura brasileira é muito mais que merecido. Estou doida para conseguir outros livros dela. 

Nota 10!

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