SPOILER FREE
O Desafio Literário Popoca 2022 de abril tem como tema um romance histórico, e eu resolvi pegar um que se encaixa duplamente nesse quesito. O autor Ismail Kadaré é mais conhecido no Brasil por conta do filme Abril Despedaçado do que por conta de seus livros, mas, não é difícil encontrar traduções dele em português, o que mostra que o autor albanês é um tanto quanto fora da curva.
Apesar da Albânia ficar no que hoje chamamos Europa, a maioria da população do país é muçulmana, e a região ficou sob alguns séculos sob domínio do império otomano, do qual só saiu no século XX. De certa forma, isso transparece nos temas e nas narrativas de Ismail Kadaré, inclusive no texto original de Abril Despedaçado. Então, não é totalmente disparatado o autor, que não é egiptólogo, resolver escrever em A Pirâmide sobre a construção da maior pirâmide do Egito Antigo, chamada de pirâmide de Queóps, por conta do faraó que ordenou a sua construção.
Embora o enredo se passe totalmente dentro do período histórico da construção da pirâmide, o autor conseguiu fazer um retrato do que poderia ter ocorrido em qualquer época onde há uma ditadura. Numa narrativa concisa, mas poderosa, Ismail Kadaré traz à vida não apenas o Egito Antigo e diversas figuras históricas, mas também todo o clima do que poderia ser viver sob um regime e uma a figura tão dura quanto um faraó.
O melhor é que ele não escolhe o tema à toa, pouco antes dele escrever A Pirâmide, o secretário do partido comunista da Albânia, Enver Hoxha, que ficou em diversas posições no poder por cerca de 40 anos, havia mandado construir uma pirâmide na capital do país, Tirania. A pirâmide depois virou um museu, e durante a guerra de Kosovo foi uma base da OTAN, e durante muito tempo foi chamada de mausoléu de Enver Hoxha, porque ele faleceu na época da sua conclusão, apesar de não ter sido enterrado lá.
Por conta desse livro (e provavelmente de outros também), que só foi editado mesmo depois da queda do comunismo na Albânia, Ismail Kadaré se exilou na França, o que mostra o quão certeiro é o seu texto. Que, no final, é duplamente romance histórico, é um retrato do Egito Antigo e um retrato da Albânia dos anos 80. O autor é bom assim, vale a pena ler qualquer coisa dele, mas A Pirâmide é realmente especial.
Nota 10.
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