SPOILER FREE
Esse livro foi um achado que eu consegui para kindle na Amazon. Com uma coleção de 12 artigos sobre como as pessoas vivenciam diversos aspectos da dança do ventre ao redor do mundo, e relativamente novo, foi lançado em junho de 2013, o que o torna bastante atual.
A ideia é passear por diversas comunidades ao redor do mundo que praticam a dança do ventre, começando pelo Egito. Os dois primeiros artigos do livro tratam principalmente de como os egípcios enxergam essa dança. Em "What is baladi about al-raqs al-baladi?" a autora faz pesquisa de campo, notando como hoje em dia a sociedade egípcia enxerga e pratica o que chamamos de dança do ventre, além de entrevistar diversos egípcios sobre o que eles consideram que é "baladi".
No segundo artigo, "Finding the feeling: Oriental dance, musiqa al-gadid and tarab", a autora traz uma análise juntamente com entrevistas, de como as bailarinas profissionais de dança do ventre no Egito montam os seus shows (que são coisas épicas de mais de uma hora, com apenas uma bailarina solista) de forma a capturar o público e causar o que os árabes chamam de tarab (êxtase).
O terceiro artigo, "Performing identity" foca na comunidade canadense de bailarinas e praticantes de dança do ventre, e faz uma análise de como essa comunidade se enxerga com relação a sua prática, como ela foi influenciada por movimentos orientalistas e como descendentes árabes que fazem parte dessa comunidade percebem a representação da sua cultura inserida na cultura canadense.
O quarto artigo foi um dos meus favoritos em termos de análise. Em "1970s Belly Dance and the how-to phenomenon: feminism, fitness and orientalism", a autora apresenta uma análise do conteúdo de livros que começaram a surgir nos anos 70 nos EUA com o objetivo de ensinar dança do ventre. A autora faz uma análise riquíssima desse conteúdo com relação a outros movimentos da época, como o feminismo, o feminismo ecológico e o surgimento do movimento fitness, além do lançamento do icônico "
Orientalism" do Edward Said.
O artigo seguinte, "Dancing with inspiration in New Zealand and
Australian dance communities", o foco deixa de ser tanto a questão das
influências orientalistas em comunidades fora do mundo árabe e passa a
ser a forma específica como comunidades de dança do ventre na Nova
Zelândia e da Austrália fazem uso da dança do ventre de forma a atingir formas diferenciadas de consciência, de forma que a dança passa a deixar de ser algo se uma cultura externa e passa a ser uma forma pessoal de expressão. Confesso que super me identifiquei.
O próximo artigo trata especialmente de um novo estilo de dança que surge a partir de influências da dança do ventre, junto com outras danças étnicas, o ATS (American Tribal Style). Em "Local performance/Global Connection: American Tribal Style and its imagined community", a autora analisa como se dá a construção do que as praticantes de ATS entendem como uma comunidade global de bailarinas. Leitura obrigatória para praticantes de ATS.
Em "The use of nostalgia in tribal fusion dance", a autora ultrapassa a questão das influências orientalistas na cena atual da dança tribal fusion para entender o uso de movimentos culturais que ela categoriza como nostálgicos (como o valdeville), de forma a tornar a dança mais ocidental.
O artigo seguinte, "Belly Dance and transculturation in New Zealand", o foco deixa de ser tanto a questão das influências orientalistas em comunidades fora do mundo árabe e passa a ser a forma específica como comunidades de dança do ventre na Nova Zelândia acabam por fazer uso da dança do ventre como forma de criar uma expressão própria para mulheres que não fazem parte da comunidade indígena local, além das misturas que são criadas incorporando itens da dança maori, o que leva a toda uma discussão interna de apropriação cultural. Dá para fazer alguns paralelos interessantes com algumas fusões que diversas bailarinas têm feito pelo Brasil.
Em "Quintessencially English Belly Dance: in search of an English tradition", a autora traz todo um levantamento histórico de duas bailarinas do cenário inglês da dança do ventre que ela julga que moldaram o que hoje existe de dança na Inglaterra. O que achei interessante foi encontrar aqui a famosa
Wendy Buenaventura, conhecida especialmente pelo livro "Serpent of the Nile", que apesar de muito orientalista e sem grandes fontes, é considerado quase uma bíblia da dança do ventre.
O artigo seguinte é o único que foca especialmente em uma única bailarina e a sua forma de trabalho, o que está bastante explícito no seu título "Delilah: dancing the earth".
O penúltimo artigo do livro foca especialmente em questões femininas na Índia e como isso afeta a visão local sobre a dança do ventre. Em "Negotiating female sexuality: bollywood belly dance, "item girls" and dance classes", a parte mais interessante para mim foi toda a análise de tipos de mulheres retratadas no cinema indiano, e o como é feito o uso de fusões com a dança do ventre para intensificar esses retratos.
O último artigo para mim foi o único que eu classificaria como bizarro. Em "Digitalizing raqs sharqi: belly dance in second life", a autora faz todo um levantamento do uso da dança do ventre no "jogo" second life, com direito a um estudo sobre uma comunidade (?!?!?!?) de bailarinas dentro do jogo e uma comparação com comunidades no mundo real. Para mim soa tão bizarro que até essa descrição parece estranha. Eu não entendo o second life.
Preciso dizer que apesar de alguns temas um tanto quanto específicos ou distantes da minha realidade, o livro em si é muito bom. Todos os artigos são bem escritos e com direito a uma bibliografia que dá vontade de ler inteira. Já recomendei especificamente para uma amiga minha que estava a procura de livros sobre dança do ventre. Super recomendado.
Nota 10.