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terça-feira, 29 de dezembro de 2020

For He Can Creep by Siobhan Carroll


 

SPOILER FREE

Para fechar o ano de 2020 com um tom mais alegre, peguei um livro, um conto quase de tão curtinho, com gatos. Gatos fazem tudo ficar mais divertido.

Não lembro muito bem como comprei For he can creep, desconfio que foi uma promoção da Amazon que eu não resisti ao ler a descrição: O poeta do século dezenove, Christopher Smart, foi internado no Hospital para Lunáticos de São Lucas, acreditando que Deus o encarregou de escrever O Poema Divino. Mas anos antes, ele havia feito uma barganha com Satanás e o diabo veio para cobrar o que lhe era devido - um poema que trará o apocalipse. Salvar a alma de Smart, e do resto do mundo, é uma tarefa para Jeoffry, o gato lutador de demônios do poeta e uma astuta criatura que Satanás seria um tolo de subestimar.

E o conto da autora americana Siobhan Carroll entrega tudo o que promete nessa descrição. Eu adoro livros com gatos, mas livros bem escritos com gatos eu simplesmente amo. Contado do ponto de vista de Jeoffry, For he can creep é uma pequena joia de leitura. Tem adrenalina, tem poesia, tem misticismo e tem gatos sendo gatos. Não tem como não gostar.

De cerejinha, é bom saber que Christopher Smart existiu, foi um poeta inglês do século XVIII que realmente foi internado num hospício, onde suas poesias passaram a ter um tom religioso. E esse conto em particular é baseado num dos poemas que ele realmente escreveu durante sua estadia no Hospital para Lunáticos de São Lucas, no qual ele fala sobre como o seu gato Jeoffry o protege dos demônios.

Fiquei com o maior gosto de quero mais. Recomendadíssimo, especialmente para amantes de gatos.

Nota 10.

Regras de Cortesia - Rules of Civility


 

SPOILER FREE

Para fechar o Desafio Literário Popoca de 2020, com o tema livros com referência a réveillon ou festas de virada de final de ano, eu precisei me esforçar. Nem pela falta de livros com o tema, mas porque quase todos que eu tinha em casa já haviam sido lidos. Problemão, né?

Daí resolvi sacar Regras de Cortesia do kindle, que na verdade já está há um certo tempo rodando pela lista de livros a ler, especialmente depois do sucesso do autor norte americano Amor Towles com Gentleman em Moscou, lançado alguns anos depois.

Regras de Cortesia é o primeiro livro do autor, lançado em 2011, e apesar de não ter levado nenhum prêmio relevante, também foi muito bem recebido pela crítica. Com ares de O Grande Gatsby, Towles narra a história da filha de imigrantes russo Katya, que nos anos 30 em plena Manhattan resolve se reinventar como Katey. Contada em forma de lembranças de Katey ao ver fotos antigas numa exposição com o marido, o livro é uma reminiscência sobre como certos acontecimentos podem mudar toda uma vida. 

Tudo começa quando Katey e uma amiga resolvem festejar o ano novo (olha o tema do Desafio Literário!) e num encontro fortuito fazem amizade com Tinker Grey. Essa noite desencadeia uma série de acontecimentos que de alguma forma irão levar Katey para o sucesso na sua carreira, conhecer o marido e ver as fotos com Tinker 30 anos depois numa exposição.

A narrativa envolve na verdade um pouco mais de dois anos da vida de Katey, em plena Nova Iorque dos anos 30, antes da Segunda Guerra Mundial, mas quando a cidade já estava em crescimento acelerado, com seus arranha céus e vida social, digamos, vibrante. Certamente rolou uma inspiração em F. Scott Fitzgerald nesse ponto.

O tema e o pano de fundo de Regras de Cortesia é muito rico e extremamente interessante. Amor Towles sabe extrair deles uma história envolvente e personagens complexos. Mas, de alguma forma o texto não me prendeu. Apesar de gostar da leitura, era só precisar parar para fazer alguma coisa que retomar o livro parecia uma tarefa árdua. Demorei muito mais do que o de costume para ler o livro e ainda mais para conseguir organizar as ideias para escrever essa resenha.

A questão é que o texto falta cor, falta energia e vibração. Os acontecimentos são dramáticos e poderiam ser pano para manga para várias questões emocionais interessantes. Mas, as personagens mantêm um certo distanciamento do que acontece com elas, Katey em particular, talvez para retratar todo o tempo que se passou entre os fatos relatados e o momento da lembrança. Ela simplesmente parece não se afetar com os dramas da sua própria vida. É como o momento preto e branco de O Mágico de Oz, sem nunca virar Technicolor.

Como leitura é interessante, mas não chega a ser apaixonante ou arrebatador. O resultado final, apesar do enredo e do texto bem feito, é apenas morno. Para passar o tempo das férias sem compromisso nenhum é uma boa pedida.

Nota 7.

Do Not Disturb (Deanna Madden #2)


 

SPOILER FREE

Depois de ler o primeiro livro da saga da camgirl Deanna Madden em The Girl in 6E, eu não resisti e resolvi continuar com Do Not Disturb. Dessa vez, o bandido é um estuprador em série, com um gosto um tanto quanto muito violento.

Confesso que precisei de um tempo no meio do livro quando percebi que a coisa era bem mais pesada do que eu esperava depois do primeiro volume. Mas a curiosidade foi maior e retomei a leitura com gosto. Mas fica o aviso de gatilho para violência sexual.

Alessandra Torre, ou A Torre, ou A R Torre, dependendo do livro, é uma escritora muito interessante e que merecia mais atenção. Não só pela versatilidade do que é capaz de escrever, mas porque o seu trabalho é muito bom.

Preconceitos à parte com uma protagonista camgirl, Do Not Disturb é um excelente suspense com doses cavalares de violência. A autora certamente não tem pena dos seus personagens, o que é muito interessante num enredo como o que ela propõe na série Deanna Madden. Quem já leu a Trilogia Millenium vai perceber que a vibe é parecida, com suas devidas proporções, visto que não estamos tratando de uma obra prima e que A R Torre recheou seus livros de cenas picantes, o que não podia faltar, claro. 

Aliás, a autora quase que tortura o leitor alternando cenas picantes legais com cenas de violência sexual. Nesse sentido, é uma leitura que pode realmente incomodar, o que nesse caso, a torna interessante.

Já estou pensando no último livro lançado da série. 2021 promete!

Nota 9.

domingo, 27 de dezembro de 2020

Demon King (Claimed By Lucifer #1)


 

SPOILER FREE

Vai chegando o final do ano e eu só quero saber de oba oba literário! Foi nessa onda que comprei e li Demon King, da americana Elizabeth Briggs. As piores resenhas que encontrei diziam que o livro era cópia da série de TV Lucifer, o que, sinceramente, me deu mais vontade de ler.

Vou logo avisando que sim, Demon King tem lá as suas coisas em comum com Lucifer, isto é, o personagem principal é mesmo Lucifer, chamado aqui de Lucas Ifer (sim, pode rir), e ele é rico e dono de metade de Las Vegas (e não Los Angeles, onde na série ele tem só uma casa noturna), incluindo o crime organizado. Alguns personagens secundários também são parecidos, mas é só isso.

Na verdade na verdade, Demon King lembra muito mais a história de Hades e Perséfone do que a série de TV, que por sua vez é baseada nos quadrinhos derivados de Sandman. É tanta derivada da derivada da derivada de uma história tão antiga, tanto a bíblica quanto o mito grego, que querer ficar dizendo quem copiou o que de quem é muito sem sentido. O importante é se o resultado final ficou legal.

Uma diferença bastante importante é que esse livro é erótico, logo, tem muitas cenas de sexo, o que você não vai encontrar na série de TV, não com o mesmo propósito. E de forma geral, o livro é muito bom nesse quesito. Além disso, o livro também começa em torno de um caso policial, mas, diferente da série de TV, o mistério policial serve apenas para introduzir um enredo mais complexo de guerra de poder entre as forças demoníacas e os anjos.

O que nos leva para o grande defeito de Demon King, o final em gancho. Eu odeio com todas as forças finais em gancho. Especialmente quando o livro seguinte não foi lançado e eu fico só na vontade de saber o que vai acontecer. E certamente se existe um inferno para autores que escrevem finais em gancho ele não vai ser presidido por alguém tão lindo quanto esse Lucifer aqui. Só pra te avisar, Elizabeth.

Nota 8,5 para o gênero.

Para Sir Phillip, com amor - To Sir Phillip, With Love (Bridgertons #5)

 


SPOILER FREE

Com o lançamento da série Bridgertons no Netflix voltei a me animar em continuar a saga dos irmãos Bridgertons. É uma leitura que tem me levado alguns anos... depois de ler 3 volumes seguidinhos em 2015, só voltei a ler a série da Julia Quinn agora em 2020. Coloco a culpa disso na inconsistência da série.

Depois de um quarto volume acima da média da série, eu estava curiosa com Para Sir Phillip, com amor, até porque o livro anterior dá spoiler dele. Expectativa muitas vezes é o que acaba com uma leitura.

Não que Para Sir Phillip, com amor seja ruim, definitivamente não é. Está bem dentro do padrão da série, tanto no quesito humor quanto no quesito cenas picantes. Mas, a história é baseada numa ação da personagem principal, dessa vez é Eloise Bridgerton, que não faz sentido para ela. Se você relevar o ato de burrice que não combina com ela e que faz todo o enredo possível de acontecer, o livro é extremamente divertido.

Novamente Julia Quinn resolveu trazer à tona outra questão social interessante, se no quarto livro era a idade que se esperava que mulheres deveriam casar, dessa vez o grande tema é depressão e casamentos arranjados. Nesse sentido, acho que é o livro mais pesado da série, com momentos bastante tristes, contrapondo com o ar comédia que a série tem em geral, o que torna esse volume bastante diferente.

Na média o livro é muito bom, e dentro do que se espera da série Bridgertons, mas, eu simplesmente não consigo perdoar a decisão da autora de fazer a Eloise deixar de ser ela mesma pra fazer burrice só para o enredo andar. Até porque, com um pouco mais de trabalho, era possível contar a mesma história de uma forma mais adequada para a personagem, foi preguiça mesmo. Pecado capital em livros seriados.

Nota 7.



domingo, 29 de novembro de 2020

Meio sol amarelo - Half of a Yellow Sun


 

SPOILER FREE

Para terminar o Desafio Literário 2020 de novembro, com o tema autores africanos, resolvi ostentar e fechar com chave de ouro, com a sensação nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.

Adichie é uma das autoras africanas mais conhecidas e aclamadas atualmente, com diversos livros na lista de best-seller e sempre muito bem recebida pela crítica. Há rumores de que um dia há de ganhar um Nobel, sente o poder da mulher.

Meio sol amarelo foi o segundo romance publicado pela autora, em 2006, e também foi muito bem recebido, ganhando os prêmios Anisfield-Wolf Book Award (2007), PEN Open Book Awards (2007), Baileys Women's Prize for Fiction (2007) e Best of the Best (2015), um prêmio especial do Baileys Women's Prize for Fiction. O livro fez tanto sucesso que foi traduzido em 37 idiomas e virou um filme nigeriano em 2014, que não fez tanto sucesso, com os críticos dizendo que não fazia jus ao material original.

Esse foi meu primeiro livro da autora que eu diria que é um romance histórico, pois traz sob a ótica dos seus personagens um dos eventos históricos mais marcantes do século XX na Nigéria, a guerra civil da independência de Biafra. Biafra o país, não o cantor. O que, para bons entendedores era para ser óbvio pelo título da obra, que descreve a bandeira de Biafra. Eu como boa ignorante da história da Nigéria, confesso que não tinha a menor ideia, e quando saquei que o livro teria como pano de fundo uma coisa tão triste e violenta, já estava mergulhada na leitura e, mesmo com a pandemia e uma tentativa de ler coisas mais leves, não consegui parar.


A escrita de Chimamanda é simplesmente poderosa, e o romance ganha profundidades que vão muito além da história da guerra civil e suas consequências. Adichie trata de política, de relacionamentos familiares e amorosos, problemas entre as diversas etnias que compõe a Nigéria, as atrocidades da guerra, colonialismo, o papel da educação e a luta de classes. E ela faz isso tudo caber e te emocionar em 560 páginas.

Confesso que ao longo da leitura dei uma pesquisada sobre a guerra de Biafra para me situar melhor, porque fiquei muito curiosa, eu nunca tinha lido sobre o assunto, mas lembro de já ter ouvido falar pela geração dos meus pais (a guerra durou de 67 a 70, e foi um grande escândalo, com uma das primeiras grandes campanhas mundiais contra a fome). Não só isso, mas me ajudou a entender mais o país hoje, que ainda tem dissidências relacionadas a Biafra, com grandes manifestações pedindo novamente por sua independência agora em junho de 2020.

Nada disso era necessário para apreciar o livro, diga-se de passagem. Mas esse tipo de leitura, que escancara a minha própria ignorância, me faz querer saber mais, o que eu gosto, porque me faz estudar.

E Adichie consegue tratar desse tema, que poderia ser um grande clichê, de uma forma muito original. Você se envolve no seu enredo muito mais por causa dos personagens do que por causa da guerra. É um livro extremamente nigeriano, com um tema extremamente nigeriano, mas que foge da literatura exótica que muitas vezes é o que vende ou chama atenção ou que se espera de lugares como a África. Uma grande obra, extremamente humana, com a marca do capricho literário da autora.

Vale cada página.

Nota 10.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Minha irmã, a serial killer - My Sister, the Serial Killer

 


SPOILER FREE

Seguindo o Desafio Literário Popoca 2020, com o tema autores africanos para novembro, resolvi explorar outro país, a Nigéria. O livro Minha irmã, a serial killer da autora Oyinkan Braithwaite foi nomeado para diversos prêmios, chamando atenção por ser o primeiro livro da nigeriana.

No Brasil o volume foi traduzido e publicado pela Kapulana, editora especializada em literatura africana (fica a dica!), e não é difícil de achar. Difícil é ler o livro e sair impune da trama! Oyinkan Braithwaite traz a história Korede e sua irmã mais nova e mais bonita, Ayoola. Korede é amargurada porque se sente desprezada, especialmente quando sua irmã está por perto e rouba toda a atenção. Entretanto, a relação entre as duas é muito mais complexa do que isso, pois, por ser a irmã mais velha, Korede é responsável por Ayoola, e Ayoola tem tendências um tanto quanto sanguinárias com relação aos homens.

A história se passa em Lagos, capital da Nigéria, mas confesso que achei muito parecido com o Brasil. E a dinâmica entre as personagens é uma das coisas mais diferentes e originais que li esse ano. Fora a adrenalina e o suspense! Tudo bem que parte da trama não é um mistério porque já está no título do livro, mas mesmo assim, Oyinkan Braithwaite consegue criar uma história que faz fechar o livro uma missão impossível, você precisa saber o que vai acontecer!

Não é a toa que o livro foi nomeado para tantos prêmios! Aliás, deveria ter ganho vários deles, mas... independente desses resultados, Minha irmã, a serial killer é uma leitura imperdível, com um enredo peculiar, extremamente bem escrito e, como cerejinha do bolo, é repleto de detalhes característicos da cultura nigeriana. Mas, diferente de muitos livros africanos que são publicados no resto do mundo, não é focado nisso.

Recomendadíssimo!

Nota 10!

domingo, 15 de novembro de 2020

Aru Shah e o fim dos tempos - Aru Shah and the End of Time


SPOILER FREE

Descobri que esse livro existia no último Natal, quando fui comprar livros para as crianças da família, que tem muito mais meninas do que meninos. Bati o olho, vi o nome Rick Riordan na capa, o autor de Percy Jackson, mas percebi que quem escreveu é uma mulher e a protagonista é uma menina. A propaganda do Rick era convincente e a contracapa prometia. Comprei. Meses depois encontrei em promoção para Kindle e resolvi que era hora de descobrir se eu havia acertado ou não.

A melhor descrição para Aru Shah e o fim dos tempos é uma versão com meninas e mitologia hindu de Percy Jackson. Só que ainda mais bem escrito, porque Roshani Chokshi, autora americana filha de mãe filipina e pai indiano, tem personagens mais interessantes e complexas do que Rick Riordan. E tem a graça de ser mitologia hindu, que é muito mais difícil de encontrar por aí, o que torna a leitura mais fascinante e menos, olha, então ele resolveu adaptar assim, porque no fundo tem pouca novidade.

O livro conta a história de Aru Shah, uma menina de ascendência indiana que vive com sua mãe num museu de arte indiana nos EUA. Um dia, ela faz a besteira de ascender uma lâmpada amaldiçoada, e acaba libertando um demônio capaz de parar o tempo, e no processo acaba descobrindo que é a reencarnação de um herói da mitologia hindu, filha dos deuses. Junto com outras reencarnações de heróis ela precisa deter o demônio antes que ele paralise o mundo inteiro.

Só que Aru não é uma heroína óbvia. Ela não é certinha e perfeita, muito pelo contrário. E ela sabe disso sobre si mesma, e é isso que torna a sua jornada tão interessante. Não é à toa que o livro foi indicado para alguns prêmios. Fiquei muito satisfeita de ter dado Aru Shah e o fim dos tempos de presente para as meninas da família, acho que acertei em cheio.

Foi um dos livros mais fofos que li em 2020, e estou animada para os próximos dois volumes que já foram publicados!

Nota 9.

sábado, 14 de novembro de 2020

Nascido do crime - Born a crime


 

SPOILER FREE

Nesse mês de novembro, o tema do Desafio Literário Popoca é autores africanos, então resolvi ler o que eu acho que foi meu primeiro livro de um autor sul africano, Trevor Noah, com sua autobiografia com toque de comédia Nascido do crime.

Trevor Noah é mais conhecido por seu trabalho como comediante do que como autor, tendo muitos anos de sucesso na África antes de ser convidado para o programa The Daily Show, que passa diariamente nos EUA, onde notícias são dadas com um toque de comédia satírica. Ele é o primeiro apresentador estrangeiro do programa, apesar de ter sido no Daily Show que John Oliver começou sua carreira nos EUA, porém, ele nunca chegou a apresentador.

 

Antes de ir para os EUA em 2016, onde já ganhou diversos prêmios por Daily Show, Trevor Noah fez uma carreira importante na África do Sul, com stand-ups, programas de rádio e telenovelas, e ele ainda não tem nem 40 anos. No Netflix você encontra alguns especiais dele, incluindo stand-ups e um documentário sobre a sua vida, que tem spoilers de Nascido do crime.

Um dos fatores importantes sobre sua história que permeia todo o seu trabalho como comediante está justamente no porquê do título do seu livro. Quando Trevor Noah nasceu, era proibido pelo Apartheid sul africano que brancos e negros tivessem relações, e, bem, Trevor Noah é mestiço, obviamente. Sua mãe, Patricia, é uma mulher negra xhosa, enquanto seu pai é suíço. Toda a ilegalidade do seu status de mestiço o marcou profundamente, e boa parte do seu trabalho trata de questões de racismo, nacionalidade e colonialismo.

E que trabalho! Trevor Noah é daqueles comediantes que te fazem rir e ao mesmo tempo repensar em várias coisas. E seu humor às vezes é tão direto na ferida que você fica na dúvida se deveria realmente achar engraçado, enquanto ri mesmo assim. Não é a toa que ele fez aquela piada maravilhosa na apresentação do Oscar, que ele participou porque, sim, ele fez uma ponta em Pantera Negra (a voz do sistema de IA da Shuri):


"Crescendo como um menino em Wakanda, eu via T'Challa voando sobre nossa aldeia, e ele me lembrava uma grande frase xhosa, 'abelungu abazi uba ndiyaxoka', que significa, 'Em tempos como este, somos mais fortes quando lutamos juntos do que quando tentamos lutar separados.'" - Mas quem fala xhosa deu uma boa risada, porque o que Noah realmente disse é: "Os brancos não sabem que estou mentindo."

Seu livro, seguindo o exemplo de tudo o mais que ele faz, foi muito bem recebido pela crítica, tanto que já foi traduzido aqui no Brasil, o que nos dá a oportunidade de apreciar o seu trabalho. O livro fez tanto sucesso que Lupita Nyong'o vai produzir e estrelar uma adaptação para o cinema. Mal posso esperar para ver esse livro em live action!

E a leitura de Nascido do crime foi uma das minhas preferidas de 2020. Nada como se divertir e aprender ao mesmo tempo, porque eu, particularmente, não sabia um monte das coisas que ele explica sobre a África do Sul no livro. Recomendadíssimo!

Nota 10!

The Abominable Snowman


SPOILER FREE

Terry Pratchett é um autor com o qual eu tenho uma relação um tanto quanto estranha. Adoro seus livros, seus textos sobre literatura, e amo de paixão Belas Maldições com Neil Gaiman. Entretanto, não consigo ler muitas coisas dele, porque ele me cansa.

Então, como respiro entre um livro mais pesado e outro resolvi pegar The Abominable Snowman, que é um dos seus poucos livros infantis. Eu estava no clima por causa de Witches do Roald Dahl e me pareceu uma excelente ideia.

E que decepção. The Abominable Snowman definitivamente não é uma boa obra do Terry Pratchett. O livro em si é bem fraquinho, com uma história boba demais, apesar de ter o humor característico do autor. Até as ilustrações do Mark Beech estão meio sem graça. Talvez tenha sido a comparação direta com Roald Dahl, que é muito maravilhoso com seus livros infantis, acho que Pratchett escreve melhor para outro público. 

Talvez seja um pouco de exagero também, porque o livro não é ruim, afinal ainda estamos falando do inglês de chapéu que forjou sua própria espada quando se tornou Sir em 2009. O cara não brinca em serviço.

Mas tem muita coisa melhor dele para ler por aí.

Nota 7.

domingo, 8 de novembro de 2020

The F List


 

 SPOILER FREE

Quem segue o blog com frequência já deve ter reparado que eu gosto do trabalho da Alessandra Torre, seja os seus livros eróticos, seja os seus livros mais diferentões. Acho que Alessandra como autora consegue trabalhar bem vários estilos.

E The F List não é exceção na sua lista de bons livros, apesar de seguir uma linha não muito explorada pela autora, o humor.

Dessa vez, temos a história de Emma, uma jovem de aparência mediana que vive em Los Angeles, mas que tem um sonho distante de se tornar celebridade. Quando uma oportunidade inesperada surge, ela aposta todas as suas fichas, porém, sua fama acaba vindo pelo fato de que ela não é exatamente uma pessoa legal, e sim por causa da sua língua afiada e falta de filtro.

The F List tem um enredo extremamente divertido nesse sentido, explorando os absurdos do mundo das celebridades de internet, onde tudo está ligado ao número de seguidores e hashtags patrocinadas. E com uma gama bastante interessante de personagens, como Emma, a nova celebridade do pedaço, Cash, o menino de ouro nascido em Hollywood, Bojan, o badboy, e Wesley, o filho que vive sendo escondido pela família famosa.

Eu mencionei que ainda por cima tem um reality show no meio? Pois bem, tem, e torna as coisas ainda mais divertidas.

Como a maioria dos livros da Alessandra Torre, tem umas passagens mais calientes, mas esse não é o objetivo desse volume, é só aquele saborzinho extra.

Recomendo especialmente para quem gosta de livros sobre celebridades.

Nota 9.

we are never meeting in real life.


 

SPOILER FREE

Samantha Irby é uma escritora e blogueira norte americana negra, de origem pobre, LGBT, plus size, que sofre de depressão e doença de Crohn. Digamos que sua vida não é das mais fáceis do mundo. E apesar de não estar exatamente no tema do desafio literário Popoca de novembro, de autores africanos, também não está muito distante.

Preciso confessar que o seu humor não exatamente bateu comigo, mas apreciei demais a leitura de we are meeting in real life., que, infelizmente, ainda não foi traduzido para o português. O livro, assim como os outros já publicados pela autora, é composto de ensaios autobiográficos, onde Samantha narra casos da sua vida com um humor bastante peculiar e um grau de honestidade que beira o chocante. Mas quem não precisa de um choque de realidade de vez em quando, certo?

Seja com relação às suas dificuldades como mulher negra nos EUA, seja com relação à depressão, à pobreza, ao seu próprio corpo fora dos padrões, Samantha consegue extrair humor de tudo, e ao mesmo tempo te deixar desconfortável. É até difícil de explicar a sensação de ler seus textos, mas lembra aquele desastre de trem que você sabe que vai acontecer, não quer ver, mas não consegue nem piscar o olho. No final, você passou por uma experiência que de forma geral não te agradou, mas mudou sua forma de ver o mundo e você quer passar por isso de novo. Já mencionei que comprei outros livros dela desde então?

Recomendo muito, apesar de não dar a nota máxima ao livro, e com avisos: gatilhos de depressão e linguagem chula. Mas vale cada página.

Nota 8.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

A triste história de Barcolino, o homem que não sabia morrer


 

 SPOILER FREE

Nada como abrir o Desafio Literário Popoca de novembro, com o tema livros de autores africanos, com um autor novo para mim, Lucílio Manjate, de Moçambique!

Pouquíssimo conhecido em terras tupiniquins, Lucílio Manjate foi publicado por aqui pela editora Kapulana, especializada em autores africanos e portugueses (fica a dica para conhecer outros nomes). Tenho a felicidade de ter alguns volumes da editora, e garanto que vale o investimento, são edições muito bem cuidadas.

A triste história de Barcolino, o homem que não sabia morrer não é exceção desse esmero, tanto a edição física quanto a digital. Com uma apresentação básica do autor para quem cof-eu-cof nunca ouviu falar dele e não tem a menor ideia cof-eu-cof do cenário literário de Moçambique. Mas isso é só o aperitivo, o texto de Lucílio Manjate realmente vale o esforço de procurar o livro por aí.

Ganhador de diversos prêmios em Moçambique, em A triste história de Barcolino, o homem que não sabia morrer, o autor traz uma história com um quê de realismo fantástico, onde o pescador Barcolino desaparece nas águas do Oceano Índico e ninguém sabe dizer com certeza se está vivo ou morto. Apesar de curtinha, a história tem uma poética singular que te prende a cada palavra.

O português está no original moçambicano, o que traz um sabor diferente ao livro, além de ser necessário algumas notas de rodapé em determinados momentos, todas bem colocadas pela editora. Mas mesmo assim, sinto que eu precisava entender mais de Moçambique para captar toda a beleza e profundidade de Lucílio. Pretendo procurar mais livros do autor para isso, vale a pena.

Nota 9.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

The New Guy (and Other Senior Year Distractions)


 

SPOILER FREE

Depois de uma excelente experiência com a autora Amy Spalding, no livro Kissing Ted Callahan (and other guys), eu não resisti e comprei The New Guy (and other senior year distractions), porque não há melhor propaganda que uma boa experiência.

Porém, nem sempre as pessoas acertam, incluindo-se autores.

Depois de uma protagonista tão divertida em Kissing, temos a insossa da Jules em The New Guy, que até que tem uma premissa bastante interessante! A super certinha e cdf Jules está para começar seu último ano antes da faculdade, e logo no primeiro dia ela tem como missão mostrar a escola para um novo aluno, Alex Powell, que nada mais é que um ex membro de uma boy band de um único hit, Chaos 4 all.

É o tipo de premissa que promete, nem que seja no quesito drama, o que não pode ficar de fora de um livro estilo young adult, infelizmente. Entretanto, Amy Spalding entrega uma história chatinha, com uma tensão que não faz sentido dentro do próprio enredo. Boa parte do tempo, toda a tensão só existe na cabeça da protagonista, que simplesmente não escuta seus amigos. Pura tortura de ler em algumas passagens.

Eu até entendo alguns dramas super fabricados, como o familiar drama do que não foi dito. Tudo acontece por falta de comunicação, e se resolve quando as cartas são colocadas na mesa. Não gosto, mas entendo, realmente tem gente assim e rola uma certa fixação por esse tipo de enredo. Porém, não consigo entender a graça do drama que só existe na imaginação da protagonista, e que nem chega a ser pelo fato do problema não ser ventilado, porque ele é.

Depois de um super acerto e um super erro, não sei o que fazer com a autora. Talvez eu só tope ler outra coisa dela se for muito bem recomendada.

Nota 6.

Dancers Among Us: A Celebration of Joy in the Everyday


SPOILER FREE

Como boa amante de dança, eu gosto dos livros com imagens relacionadas a dança, e foi isso que me levou a comprar Dancers Among Us, do fotógrafo Jordan Matter.

Mas o trabalho de Jordan ultrapassa apenas a questão estética da dança, seu objetivo com o projeto Dancers Among Us é retratar bailarinos de alta performance (em sua maioria de dança contemporânea) em locais e poses baseadas no dia a dia de uma pessoa comum. E o livro é apenas o primeiro registro físico de todo esse projeto, que pode ser encontrado no seu site oficial, onde é possível ver algumas das fotos oficiais, além de vídeos sobre como algumas sessões foram realizadas. Recomendo muito a visita. 

Jordan Matter iniciou esse projeto de mega sucesso, já com outras edições pós lançamento desse volume, meio que por acaso, quando foi chamado para fotografar um bailarino. Ele nunca tinha feito fotos de dança, apesar de ser fotógrafo profissional. E da parceria dos dois nasceram as primeiras fotos que dariam origem a esse lindo projeto, que foi baseado numa busca do fotógrafo por imagens que retratassem o completo abandono e paixão do seu próprio filho enquanto brincava, e nada como bailarinos para tornar essa paixão visível.

O livro é um apanhado das melhores imagens tiradas até 2012, com alguns textos do fotógrafo explicando suas ideias e as loucuras que ele e seus bailarinos tiveram que fazer para conseguir alguns desses registros tão incríveis. É um livro digno de colecionador.

Nota 10.

sábado, 31 de outubro de 2020

The Witches - As Bruxas


 

 SPOILER FREE

Aproveitando o finalzinho do mês para fechar com tudo o Desafio Literário Popoca de outubro, com o tema livros com protagonistas crianças com um dos clássicos da literatura infantil: As Bruxas!

O livro é de Roald Dahl, um aclamado autor inglês que escreveu diversos clássicos que muitos acham que são só filmes, entre eles A Fantástica Fábrica de Chocolate, Matilda e As Bruxas!


Esse ano foi a vez de As Bruxas ganharem um remake em Hollywood. O primeiro filme, de 1990, contava com ninguém menos que Angelica Huston no papel da grande bruxona má e participação especial do Mister Bean, quer dizer, do Rowan Atkinson. E ela protagoniza uma das melhor cena de todos os tempos com uma bruxa. 


O remake saiu direto no HBO Max no dia 22 de outubro por motivos de pandemia. E dessa vez temos Anne Hathaway no papel da bruxona, Octavia Spencer no papel da vó fofa e Stanley Tucci.

 

O filme de 1990 é mais próximo do texto original numa maior quantidade de aspectos, com passagens inteiras tiradas exatamente como no livro. Além de ser mais interessante de forma geral. O remake, infelizmente deixa a desejar perto do original, apesar das boas atuações e da excelente adaptação para o interior norte americano e com um protagonista negro. Que ideia linda desse roteiro, que teve participação do Guilherme del Toro.

Mas, nenhum dos dois se compara ao livro! Roald Dahl é o precursor de Neil Gaiman em termos de histórias infantis com uma boa dose de terror, vide os filmes originais de As Bruxas e Fantástica Fábrica de Chocolate, e seus livros. O autor inglês não disfarça as maldades e por vezes usa de requintes de crueldade em seus enredos.

Isso tanto é verdade que as primeiras adaptações dos seus livros para o cinema tiveram os seus finais modificados para ficarem um tanto quanto mais açucarados. Talvez porque os pais acabam indo junto ao cinema, mas nem sempre leem junto os livros com filhos. Mas seu texto é uma delícia de ler, mesmo com esses aspectos pouco convencionais, ou, na verdade, justamente por causa deles. 

Para aqueles que conseguiram nunca ouvir falar de As Bruxas, o livro, publicado em 1983 com ilustrações de Quentin Blake, em mais uma colaboração com o autor, acompanha a história de um menino de sete anos, sem nome definido, que passou a morar com a avó, uma grande conhecedora de bruxas. Aliás, as descrições originais das bruxas são maravilhosas, ponto pra Roald! Apesar da avó ser da Noruega, os dois se mudam para a Inglaterra, e após alguns problemas vão parar num hotel de luxo, onde, por acaso, está sendo realizada a grande convenção das bruxas do país.

Não é à toa que é um clássico, é uma leitura divertida para todas as idades! E vale a pena ler o livro e assistir aos dois filmes, nada mais maravilhoso para comemorar o Halloween!

Nota 10!

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

O Príncipe e a Costureira - The Prince and the Dressmaker


 

 SPOILER FREE

Peguei essa Graphic Novel para ler por motivos de pandemia, e o fato de que é uma unanimidade em termos de agradar os leitores. Pensa num conto de fadas, em que a princesa é Drag Queen, e você tem o maravilhoso e premiado O Príncipe e a Costureira

Publicado no Brasil pela Darkside, numa edição de capa dura com direito a adesivos fofos, o livro ganhou diversos prêmios internacionais em 2018, 2019 e 2020. A autora e ilustradora Jen Wang, é americana, filha de imigrantes de Taiwan, e esse foi o seu primeiro trabalho solo. Mas que trabalho! A Universal Studios adquiriu os direitos de O Príncipe e a Costureira ainda em 2018, e no início de 2020 foi anunciado que Kristen Anderson-Lopez e Bobby Lopez, a dupla por trás das trilhas sonoras de Frozen, Coco e Frozen 2, se juntarão à dramaturga Amy Herzog e ao produtor Marc Platt para fazer o filme.

E como descrever a beleza que é a história imaginada por Jen Wang? A costureira Frances tem como sonho trabalhar apenas com suas próprias criações e ter seu talento reconhecido em Paris. E numa tentativa de satisfazer uma cliente complicada, acaba chamando atenção do Príncipe Sebastian, da Bélgica, que tem como segredo o fato de que gosta de usar vestidos. Os dois se unem e nasce a fabulosa Lady Crystallia que causa alvoroço nas festas de Paris.


É uma Graphic Novel ousada para young adult, feita para quebrar diversos paradigmas, e lindamente ilustrada! Eu não sabia que precisava dela, mas todos precisam de uma história como essa. Fiquei muito feliz de saber que vai virar filme. Quero ir na estreia! E se for animação, torço para que mantenham o traço da Jen Wang, que acertou em cheio.

Nota 10!


quarta-feira, 21 de outubro de 2020

A Princesa Salva a si Mesma neste Livro - The Princess Saves Herself in this One


 

SPOILER FREE

Quem me acompanha sabe que eu tenho um fraco por poesia, e eu gosto de muitas coisas diferentes dentro desse universo encantador, porém um pouco abandonado. Desde poesia clássica até as coisas contemporâneas mais doidas.

Por conta desse espírito eu não podia deixar de ler a sensação da internet, assim como Rupi Kaur, Amanda Lovelace, que ainda por cima tem livros com títulos tão maravilhosos e sugestivos como: A Princesa Salva a si Mesma neste Livro; A bruxa não vai para a fogueira nesse livro; A voz da sereia volta nesse livro.

Confesso que foi irresistível.

Mas fiquei decepcionada.

Não é que o texto de Amanda seja exatamente ruim, ele só é
um tanto
quanto
repetitivo
um tanto
quanto
óbvio
e ela
acredita
do fundo do seu coração
que poesia
é colocar
uma palavra
em cada
linha.
Às vezes
    ela
        incrementa
            um
                pouco.
Para variar.

E pronto! Vocês já têm uma boa ideia do trabalho de Amanda. A diferença é a temática, que ela trabalha o abuso de mulheres e meninas pelo machismo de suas famílias e namorados. É uma boa temática, está até em voga. Mas, sua poesia não tem profundidade para trazer nada de novo ao assunto.

Eu entendo o seu sucesso. Acho que faz sentido numa época de TLDR ("longo demais, não li" para os desavisados), ainda mais considerando que Amanda Lovelace fez sua fama no Instagram. Mas tem muita coisa melhor, num estilo até parecido, sendo feito hoje em dia.

Nota 7.

The Dark Lord Clementine

 


SPOILER FREE

E finalmente chegou um dos meus meses favoritos do ano, Outubro, mês do Halloween! Tudo bem que o tema do Desafio Literário Popoca desse ano para esse mês não fala disso, e sim de livros com crianças como protagonistas. Mas uma coisa certamente não impede a outra!

Por isso escolhi como leitura para esse mês o fofíssimo The Dark Lord Clementine, da autora norte americana Sarah Jean Horwitz, infelizmente ainda sem tradução para o português. Como o livro foi lançado em 2019, pode ser apenas uma questão de tempo e eu torço para que logo chegue ao Brasil.

O livro, como diz o título, traz a história de Clementine Morcerous, filha de um Dark Lord que está doente, e apesar de ter apenas 12 anos, ela começa a ter que realizar cada vez mais tarefas para manter o grande castelo da família e a sua posição como Dark Lord da região. Como se pode imaginar, o título de Dark Lord para ser mantido precisa incluir aterrorizar a população local, cuidar da plantação de maçãs envenenadas, animais exóticos, como pesadelos, e lidar com a maldição que tem afetado o seu pai Elithor.

O livro é especialmente divertido justamente pelo caráter anti-herói da família Morcerous, que tem um ar que lembra um pouco a Família Adams, se eles fossem retratados como poderosos em uma época medieval. Mas isso é só a superfície da história, que na verdade fala sobre relacionamentos de família, entrada na adolescência e auto descoberta.

Posso dizer com alguma convicção que é um dos livros mais fofos que li em 2020, e a ambientação me agradou muitíssimo. Sei que teria se tornado um dos meus livros favoritos se eu tivesse lido quando criança, ainda mais porque era muito raro encontrar uma protagonista menina com todo o poder de Clementine. Vale frisar que ela não é uma princesa, sua herança é para se tornar mesmo a próxima Dark Lord, sem ninguém acima dela.

Infelizmente o livro tem alguns clichês, mas eu entendo que ele é voltado para o público infantojuvenil e que, por isso, algumas coisas podem ser um tanto quanto inescapáveis. Não chega a atrapalhar a leitura, porém, deixa com o ar de que poderia ser ainda melhor.

Nota 9.

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

O Peso do Pássaro Morto



SPOILER FREE

Sabe aquele livro que você compra porque o título chamou a sua atenção? Não é tão comum quanto aquela capa irresistível, mas tem aqueles títulos que você simplesmente precisa ter na estante. E aproveitando o tema do Desafio Literário Popoca de setembro, com um livro que se passe na sua cidade ou país, tirei da minha O Peso do Pássaro Morto, da paulista Aline Bei.

O livro é o primeiro romance publicado da autora, que, como o título, já chegou fazendo alarde, ganhando o Prêmio São Paulo de Literatura de Melhor Romance de Autor com menos de 40 anos de 2018. E lendo a obra, a escolha me pareceu muito justa e acertada.

O Peso do Pássaro Morto traz a história de uma mulher, narrada em sua própria voz, dos 8 aos 52 anos de idade, e essa história certamente faz jus ao seu título. É um dos livros mais pesados que li em 2020, mas ele é escrito com um lirismo tão interessante e inovador, que num ano de pandemia em que parei um monte de leituras no meio, especialmente com histórias mais pesadas, o volume durou apenas duas tardes na minha mão.

A primeira vista a escrita de Aline Bei engana, pois seu texto parece um poema. Mas também não é, é uma prosa, não tem outro adjetivo, poética, que foge do que comumente se chama de prosa poética e que já está um tanto quanto desgastada pelo uso excessivo. E o mais incrível é que a estrutura do texto muda conforme nossa protagonista vai crescendo e amadurecendo. Muito bem feita essa construção pela autora, fiquei impressionada.

Mas O Peso do Pássaro Morto não é uma leitura simples. A história é realmente muito pesada e com um grande peso emocional. E que podia ser a história de qualquer mulher. Para quem tem problemas com cenas mais violentas descritas em detalhes, aviso logo que vai ser necessário pular uma parte do texto. Mas a leitura vale demais a pena, mesmo que seja com uma caixa de lenços de papel do lado.

Uma merecida nota 10!

terça-feira, 22 de setembro de 2020

Casa de Alvenaria: Diário de uma ex-favelada


 

SPOILER FREE

E chegou a primavera! Nada como comemorar com uma resenha para o Desafio Literário Popoca de setembro, cujo tema é uma obra que se passe na sua cidade ou país!

Já faz algum tempo que a importante autora negra brasileira Carolina Maria de Jesus ronda minhas listas de leituras a fazer, porém, sua obra não é fácil de encontrar em livro digital. Esse ano finalmente consegui comprar seu segundo livro estilo autobiografia, Casa de Alvenaria.

Carolina não deveria precisar de apresentações, mas sabemos como essas coisas são no Brasil. Nascida em 1914 no interior de Minas Gerais, de pais analfabetos, Carolina foi ainda jovem para São Paulo em busca de melhores condições de vida, e acabou morando numa favela, que hoje já não existe mais. Para sobreviver, a autora trabalhou como empregada doméstica e catadora de papel, sustentando sozinha seus três filhos. Ela mesma construiu o seu barraco na favela, e nas horas vagas escrevia um diário sobre como vivia na miséria. Descoberta pelo jornalista Audálio Dantas em 58, seu primeiro livro, Quarto de Despejo, foi lançado em 1960 e desde o seu lançamento vendeu mais de um milhão de exemplares no Brasil e no exterior, sendo traduzido para 13 idiomas em mais de 40 países.

Durante muito tempo ela foi uma das autoras brasileiras mais famosas fora do país, e hoje é considerada uma das autoras mais importantes da literatura brasileira, em especial da literatura negra.Depois de Quarto de Despejo, Carolina começou a escrever outro diário, onde registrou os problemas pelos quais passou quando se tornou famosa. Esse livro é Casa de Alvenaria. E que livro!

Sendo meu primeiro volume da autora não tenho como comparar com sua obra mais famosa, mas posso dizer que Casa de Alvenaria é um dos melhores livros que li esse ano. O estilo de Carolina Maria de Jesus é singular, considerando que apesar dela ter estudado por apenas dois anos quando criança, quando aprendeu a ler e a escrever, ela sempre foi apaixonada por livros e leu de tudo que conseguiu colocar as mãos. Soma-se a isso uma forma de pensar e de analisar a vida e o cotidiano com uma singeleza ímpar, porém muito realista e sem papas na língua, e você tem esse resultado único e absolutamente incrível.

Casa de Alvenaria é um diário muito interessante, que tem um retrato impressionante do início dos anos 60 de São Paulo, com direito às anedotas fantásticas da vida da autora, incluindo aos lançamentos, autógrafos, jantares em sua homenagem e a adaptação do seu livro em peça de teatro. Além disso, a autora incluiu seus pensamentos sobre política, economia, pessoas famosas que teve oportunidade de encontrar (e são muitas), racismo e também sobre os inúmeros pedidos de ajuda financeira que passou a receber.

Os dois últimos itens foram os que mais me fascinaram no texto de Carolina. Seu retrato da forma como o tratamento que recebia mudou de uma hora para a outra, como a olhavam como se fosse um animal exótico e como seus filhos eram tratados faz um contraste imenso com sua afirmação de que não existe racismo no Brasil, o que ela repete inúmeras vezes ao longo do texto. A maneira como seus antigos vizinhos de favela passaram a tratá-la, além de como ela passou a ser recebida em lugares que jamais imaginaria poder entrar também atestam sobre a luta de classes e a natureza humana.

Seu diário é fascinante não apenas por seu estilo maravilhoso, mas porque Carolina Maria de Jesus tem uma mente afiada para observar o que a cerca e tirar conclusões. Seu lugar no panteão da literatura brasileira é muito mais que merecido. Estou doida para conseguir outros livros dela. 

Nota 10!

sábado, 19 de setembro de 2020

Here


SPOILER FREE

Cada um lida com a pandemia de uma forma diferente... eu, por exemplo, acabei quase parando de ler poesia diariamente. O que mudanças na rotina não fazem, não é mesmo?

Enquanto não consigo retomar o hábito, vou aproveitar e colocar as resenhas atrasadas em dia, porque sim, também tem afetado escrever, claro.

Então, Here é um dos livros da poetisa polonesa que mora no meu coração, Wisława Szymborska, que não tem tradução para o português, apesar de alguns dos seus poemas estarem nas poucas edições de coletâneas da autora disponíveis no Brasil. Mas o kindle abre portas, então consegui a tradução para o inglês mesmo.

Para variar, a leitura é um deleite, que só Wisława Szymborska é capaz de oferecer, independentemente do idioma. Aliás, foi especialmente divertido reconhecer os poemas que eu já tinha lido em português. Ou os tradutores se falaram ou realmente a poetisa usa uma forma de escrever quase que universal.

Não importa a razão, Wisława Szymborska é sempre uma boa pedida.

Nota 10.

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Love Lettering


 

SPOILER FREE

Essa foi a leitura que separei para fazer durante as minhas férias... porque de pesado e triste já basta o que acontece na vida real. E se você curte histórias românticas no estilo pornô suave, pode abrir Love Lettering com vontade.

A autora estadunidense Kate Clayborn traz a história de Meg, uma caligrafista que mora em Nova Iorque e que durante muito tempo teve como ganha pão a caligrafia de convites e programas de casamento. O problema é que Meg saiu do ramo por um bom motivo, tentando evitar um confronto como o com Reid, um ex-noivo pra quem ela trabalhou e que anos depois a procura em busca de respostas.

No jargão, é um livro tipo slow burn, onde Meg e Reid ficam a maior parte do livro dando voltas um no outro, e quando finalmente a coisa esquenta, eu confesso que esperava cenas mais descritivas. Por isso o pornô suave. De qualquer forma, o enredo tem lá suas reviravoltas, e eu confesso que essa me pegou de surpresa, definitivamente não é um clichê.

E tem as belíssimas descrições das caligrafias de Meg. Kate Clayborn incorporou uma caligrafista apaixonada por letras e artes visuais. Fiquei impressionada. Dá até vontade de aprender caligrafia também.

Excelente leitura de férias, final de semana e para desanuviar a cabeça.

Nota 8,5.

The Immortals (Olympus Bound #1)


 

SPOILER FREE

De vez em quando precisamos ler o que dá na telha, e foi assim que resolvi pegar o primeiro volume da série Olympus Bound, da autora estadunidense Jordanna Max Brodsky. E que escolha surpreendente!

O que eu sabia do enredo é que nele os deuses do Olimpo viviam como pessoas normais nos dias de hoje, e que a protagonista era Ártemis. Mas o livro não tem só ares de Deuses Americanos, de onde a autora realmente tirou muitas ideias, mas é uma história de mistério e suspense! Tudo começa quando Selene DiSilva encontra uma mulher morta no Central Park, Nova Iorque, com cara do assassinato ter características ritualísticas...

Para bom entendedor, meio nome basta, certo? Selene, por ser protetora de mulheres, resolve investigar o assassinato, e acaba por ter que lidar com um professor universitário especialista na Grécia Antiga. Claro que um enredo desses, com personagens assim, é um prato cheio, melhor, uma refeição completa com vários pratos para conhecedores e entusiastas de mitologia. Até grego antigo e citações de obras clássicas o livro tem.

Não tinha como eu não gostar.

O mistério, para quem sabe mitologia, não é tão misterioso assim, mas a adrenalina acaba compensando. Fora que é muito divertido ver as adaptações que a autora escolheu para os diversos deuses do Olimpo terem vidas normais nos dias atuais. É uma boa versão para adultos de Percy Jackson. E o volume de pesquisa que a autora fez é visível no texto.

Aliás,The Immortals é a mistura perfeita entre O ladrão de raios e Deuses Americanos. Não me surpreenderia que fosse inclusive essa a encomenda da editora. Afinal, os leitores do primeiro, lançado em 2005, já são adultos, e o segundo já vai fazer 20 anos de publicado com uma série de TV nas costas. Esses números me assustam, mas também explicam o timing da autora.

Aviso logo para os fãs de Shadow e Percy que Selene não é tão boa assim. Shadow é humano, logo, mais interessante, e Percy, bom, chegou na frente e tinha um público menos exigente. Em termos de escrita Jordanna é melhor do que Rick Riordan, mas pior que Neil Gaiman.

Feitos os avisos, pode aproveitar o primeiro livro da trilogia, que é diversão garantida! Infelizmente, por enquanto o livro ainda só está disponível em inglês.

Nota 9.

domingo, 30 de agosto de 2020

Extraordinário - Wonder


SPOILER FREE

Nada como fechar o Desafio Literário Popoca de agosto, com o tema livro escrito sob pseudônimo com algo extraordinário e uma piadinha infame.

O livro Extraordinário, lançado em 2012 e que virou filme em 2017 com grandes nomes como Julia Roberts e Owen Wilson, foi escrito por R. J. Palacio, pseudônimo da escritora americana de origem colombiana Raquel Jaramillo. O livro foi um grande sucesso, e continua vendendo bem anos depois, com direito aos devidos spin-offs.

De alguma forma, Extraordinário é importante na visibilidade que tanto se fala hoje em dia, visto que seu personagem principal, August Pullman, é uma criança com uma síndrome genética que o leva a ter uma mal formação crânio-facial (li por aí que se trata da síndrome de Treacher Collins, mas não tenho certeza). E como o livro é voltado para o público infantojuvenil, ele ganha ainda mais relevância.

Claro que é um livro tipo armadilha, feito sob medida para você chorar no final, porque é óbvio que Auggie, nosso protagonista que é capaz de fazer adultos levarem um susto e crianças chorarem quando o veem, vai passar por poucas e boas. E ele também foi escrito como uma grande lição para seus leitores mais jovens, o que o torna um tanto quanto açucarado.

É complicado escrever algumas coisas sobre um livro com uma história relevante e de sucesso, mas estamos aqui pra isso.

Extraordinário é um livro que eu já dei muito de presente, mas confesso que ainda não tinha lido. Agora que li, não me arrependo dos presentes, mas entendo se alguns dos presenteados não curtiu muito, e, sinceramente, darei preferência a outros livros a partir de agora.

O problema de Extraordinário é que ele passa açúcar demais em realidades muito duras e difíceis. E tenho certeza que as crianças são capazes de perceber isso. Para quem gosta de histórias que são felizes mesmo quando são tristes é uma leitura incrível. Excelente se você está triste ou deprimido.

Porém, para um livro que era para falar de representatividade, de tolerância e de aprender a conviver com o diferente, ele é um pouco fantasioso demais. E cheio, cheio, cheio de clichês.

Como primeiro livro da autora, acho que ela se saiu bem, afinal, o primeiro livro dificilmente será o melhor. Espero que ela tenha superado seu medo de coisas tristes, complicadas e ruins nos livros seguintes. Mas, sendo sincera, Extraordinário não faz jus ao seu título.

Vale a leitura, mas não aposte alto.

Nota 8.

A súbita aparição de Hope Arden - The Sudden Appearance of Hope


SPOILER FREE

Agosto está acabando, mas ainda dá tempo de colocar no ar as resenhas do Desafio Literário Popoca do mês, cujo tema é um livro escrito sob um pseudônimo!

Aproveitei o tema para ler mais um livro da maravilhosa Claire North, que já apareceu por aqui com As primeiras quinze vidas de Harry August. Pois bem, Claire North é um dos pseudônimos da escritora Catherine Webb, que já ganhou diversos prêmios por seus livros. Como Claire North ela prima por suas histórias de realismo fantástico, como também é o caso de A súbita aparição de Hope Arden, na tradução de Portugal, porque o livro ainda não foi publicado no Brasil.

Pela primeira vez a autora traz uma protagonista feminina, Hope Arden, que tem o estranho poder de ser absolutamente esquecível. Você pode passar horas conversando com ela, mas se em um minuto você para para prestar atenção em alguma outra coisa que não seja Hope, ela foge completamente da sua memória. Ela e tudo o que você conversou com ela.

Só uma personagem com essa característica já é pano para manga para uma história sensacional e com um viés psicológico intenso para a protagonista, que se encontra eternamente sozinha e sem conhecidos, o que é devidamente explorado pela autora. Mas Claire North gosta também de tornar esse tipo de personagem apenas mais uma das partes dos seus enredos complexos.

Hope tira algum tipo de proveito da sua situação única, claro, e se torna uma ladra profissional, e com uma forma de atuação bastante incomum. Ela é pega algumas vezes, mas, quem se lembra não é mesmo? Até que ela se depara com algo que promete mudar o mundo, o aplicativo Perfection.

O aplicativo promete transformar seus usuários em pessoas perfeitas, perfeitamente belas, perfeitamente bem vestidas, perfeitamente bem atendidas em lugares exclusivos e também perfeitos. Em troca, ele tem acesso total à toda vida do usuário. Toda a vida.

Hope, apesar de ser totalmente esquecível por humanos, não é esquecida por máquinas, e por isso ela decide ficar distante de Perfection. Porém, quando uma pessoa de quem ela gosta se suicida, ela imediatamente culpa o aplicativo e a empresa por trás dele, iniciando um grande enredo de gato e rato, com direito a terrorismo, perseguições e tramas extremamente complexas de espionagem.

Apesar da história ser contada do ponto de vista de Hope, com todo o peso psicológico que ela traz, o livro é recheado de personagens incríveis, com direito a muita ação e adrenalina. É um livro que dá muito gosto de ler, e cheio de passagens belamente escritas e que questionam o atual status de vigilância que as pessoas aceitam em suas vidas.

Claire North sabe montar enredos com essa cara, que poderiam ser fantásticos e bem mais básicos, mas ela não se limita ao básico e vira a história de tudo quanto é ângulo, trazendo profundidade para os seus textos. Não é à toa que ela já recebeu tantos prêmios, são todos merecidos.

Nota 10!

sexta-feira, 31 de julho de 2020

A Luneta Âmbar - The Amber Spyglass (His Dark Materials #3)



SPOILER FREE

E finalmente chegamos no último livro da trilogia His Dark Materials, ou Fronteiras do Universo em português, do autor inglês Philip Pullman. A série mais famosa do autor, que também já virou filme e agora é uma série da BBC e HBO.

Como mencionei na resenha da Bússola Dourada, o início da saga é muito bom, apesar do final estilo gancho do livro. Infelizmente a continuação, A Faca Sutil, deixa um tanto quanto a desejar, e, aparentemente, o autor ouviu algumas reclamações e fez diversos acertos para o final da série, A Luneta Âmbar, que também pode ser uma cor, e por isso estou colocando no Desafio Literário Popoca de julho, para fechar o mês com chave de ouro!

Depois de dois volumes cheios de adrenalina, que contam através da história de Lyra e Will uma grande e longa guerra entre forças angelicais, que acabam por ser reproduzidas em guerras humanas religiosas, o último livro não tinha como não ser apoteótico. E sim, apoteótico ele é do início ao fim. Esse é o volume que traumatiza os leitores de Philip Pullman, aquele que faz com que, mesmo tendo amado a história, as pessoas prometerem não ler de novo. Mas não se precipite, a leitura vale cada lágrima e as chatices do livro anterior.

Aqui finalmente fica explicado o que é a tal da Dust, ou na tradução para o português. Finalmente toda a confusão do Universo fica um pouco mais clara, e dessa forma, decisões importantes podem e precisam ser feitas.

A trilogia fecha mesmo com uma belíssima chave de ouro. E chegamos ao final da incrível história de amadurecimento de Lyra e Will, e como de alguma forma ela é universal. E também porque ela é importante para a humanidade como um todo. Afinal, amadurecimento não é necessariamente uma questão etária, mas é crucial para a sociedade evoluir. E Philip Pullman consegue demonstrar isso de forma maravilhosa na sua trilogia, usando como base diversos contos de fadas e também outras obras literárias.

O resultado final é tão bom que até dá para esquecer a pisada de bola no livro II.

E tem sim a questão religiosa, que ficou um tanto quanto de lado no segundo livro, mas no terceiro ela é escancarada e não tem muito o que dizer para tentar disfarçar. É um livro para pessoas que gostam de pensar e questionar. Certamente não vai agradar a todos e não necessariamente isso é ruim, até porque é impossível agradar todo o mundo.

E agora vou desagradar os fãs raiz do autor.

Apesar da trilogia ser muito maravilhosa e o enredo em si ser uma obra-prima, Philip Pullman não é um grande gênio literário. Sua escrita é boa, mas não é incrível, o enredo é melhor que o seu texto. Veja bem, meu objetivo não é diminuí-lo como escritor, mas diminuir um pouco a expectativa de futuros leitores e ser mais realista. As passagens exageradamente melosas dos livros continuam todas presentes no texto e parecem fazer parte do estilo do autor, e pessoalmente não me agradam.

No geral, nota 9,5.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

A Faca Sutil - The Subtle Knife (His Dark Materials #2)



SPOILER FREE

Depois de um primeiro volume maravilhoso, apesar do final em gancho, a série Fronteiras do Universo, His Dark Materials no original, segue com o livro A Faca Sutil.

Quem acompanhou a primeira temporada da série da BBC, distribuída pela HBO no Brasil, já teve um gostinho do início desse livro, pois ela mostra em paralelo as histórias de Lyra e Will, que nos livros só nos é apresentado nesse segundo volume. E, vamos ser sinceros, é uma apresentação um tanto quanto longa, o que torna a escolha na série bem mais interessante.

A Faca Sutil é uma grande reviravolta no enredo de Fronteiras do Universo, pois não só aparece pela primeira vez o Will, o coprotagonista de Lyra a partir daqui, mas também ocorre a primeira grande expansão do universo onde se passa a história. O que é um tanto quanto difícil de explicar sem dar spoilers... mas digamos que novos horizontes se abrem...

Mas nem tudo são flores na continuação da saga, não só pela continuação dos problemas, aventuras e violência associados, mas também porque Philip Pullman pisa na bola nesse livro. Mais especificamente, ele esquece quem é a Lyra.

O interessante é que eu não lembro dessa sensação ao ler a série há 15 anos, mas dessa vez as mudanças na Lyra me pareceram muito claras, e não me agradaram. Em diversos momentos fiquei com a sensação de que a personagem do primeiro livro não faria as coisas da forma como faz no segundo, e o que aconteceu entre um e outro não explica bem as mudanças. Outra questão, que pode ser da época do livro, é que no primeiro volume Lyra dá uma sensação muito interessante de quebra de expectativa de gênero, que é carregada pelo livro todo. Só para no volume seguinte ela parecer muito, mas muito mais, menininha.

Por que isso Philip? Precisava diminuir a Lyra para o Will ganhar importância?

O resultado deixa muito a desejar por causa disso. O enredo em si continua interessante, cheio de ação, adrenalina e emoção. Mas ele perde quando se perde a personagem mais interessante.

Lyra é tão mais interessante que ela que ganha destaque em todos os outros livros derivados da série original. Pena que o autor só realmente percebeu isso depois...

Para deixar a situação ainda pior, o livro termina com mais um gancho... leia com o volume seguinte a postos.

Nota 8.